A melhor solução para vencer…

Sem dúvida, a melhor solução para vencer o penosíssimo trabalho de revisão é a de Fernando Pessoa: não revisar nada, nunca, e jamais se propor a tarefa de dar uma forma definitiva para aquilo que se escreveu. Tão óbvio, tão evidente… e ainda assim parece a mais disparatada das decisões. Se toda profissão tem suas agruras, algumas só suportáveis a longo prazo por aquele dotado de vocação para exercê-la, ao escritor talvez nenhuma seja mais frequente que o deparar-se com um trabalho ruim. Diferentemente de outras profissões, em que o resultado e a eficácia do trabalho são facilmente mensuráveis, e daí portanto mais facilmente se percebe uma evolução na técnica e os efeitos positivos da experiência, o trabalho do escritor parece sempre fadado a ser visto como insatisfatório por suas próprias lentes, algo que se torna violentamente evidente no processo de revisão. Revisando textos longos, aprende-se que os erros mais elementares, na escrita, são invencíveis, porque, entre outros variados motivos, a atenção nunca se mantém constante por um longo período. E assim que, para a sua satisfação psicológica, o melhor é que o escritor jamais revise; do contrário, será forçado a tomar regularmente duríssimas lições.

A despeito de toda aflição inerente…

É verdade que, a despeito de toda aflição inerente da escrita, organizar o pensamento, moldá-lo em palavras, variando formas, testando novas possibilidades e vestindo-o diferentemente a cada nova peça, tem o seu quê de prazeroso. Despretensiosamente, é possível aproveitar e tomar gosto pelo processo, sem o qual não se chega longe nas letras. O lamentável é que a literatura não se resume a estes momentos em que o pensamento parece matéria inerte e a função do artista simplesmente conformá-lo, como se, com fazê-lo, o artista se não vinculasse a ele de forma que a expressão aparenta sempre imperfeita e sempre a representar uma dolorosa separação.

Um grande escritor não escreve…

Um grande escritor não escreve para a sua geração e deve aceitá-lo. Mais difícil será o fazê-lo quanto mais perca o senso da própria grandeza ou, antes, da grandeza da própria missão. O fazer literário, o desejo de inserir-se na literatura tem de ser encarado, primariamente, como um reconhecimento do valor e do poder das letras. Manifestar-se desta, e não de outra forma, implica meditar e escolher. Por que a literatura? A reflexão logo apontará o óbvio: o escritor é alguém transformado por ela, e escreve porque assim fizeram os objetos de sua admiração.

O escritor estará perdido caso não sinta…

O escritor estará perdido caso não sinta uma atração irresistível pela língua, que o obrigue a estudá-la ainda que não queira, numa prática cuja abstinência se manifeste num profundo desconforto. Se é isso predestinação, não faz diferença. O certo, porém, é que não suportará os obstáculos e frustrações da profissão caso não se sinta a evoluir pelo estudo prolongado ao infinito, só possível com uma tolerância às letras que melhor se definiria como uma paixão. Se a elas se acorrenta e não se sente à vontade, é preciso que, no mínimo, sinta a satisfação característica do cumprimento de um dever.