Parece o resultado de todo projeto artístico fundamentalmente dependente do entusiasmo e do vigor com que é iniciado. O espírito com que se lhe impregna esta arrancada é-lhe determinante. Para um mau começo, pois, ou um começo débil, não há muito o que se fazer, enquanto um começo vigoroso se pode estender pelo trabalho braçal e pela simples disciplina. Por isso é tão importante que se faça a ideação separadamente, num momento que preceda o executá-la. Assim, pode-se aproveitar do insuperável estímulo daqueles momentos em que a ideia se mostra pronta e parece a explodir.
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O trabalho criativo
O trabalho criativo depende, essencialmente, de duas coisas: (1) da capacidade de estimular, permitir e apreender novas ideias e (2) da capacidade de aproveitá-las. No primeiro caso, temos, sumariamente, o esforço intelectual e a atenção, qualidades que, ainda que não intencionalmente, são incitadas pelo simples querer criar. Já no segundo, dá-se algo mais custoso, e talvez a maior diferença entre o artista fecundo e o infecundo resida justamente nisso: na capacidade de concretizar as ideias que têm, não deixando que elas se percam e se vão tão naturalmente como vieram. Tal capacidade é, simplesmente, a capacidade de agir. Disso se nota que o trabalho criativo, para que efetivo, exige não somente as ideias, o concebê-las e o captá-las, — algo que se pode fazer sem esforço; — mas requer um estado mental que se resume numa prontidão permanente para a ação.
A melhor solução para vencer…
Sem dúvida, a melhor solução para vencer o penosíssimo trabalho de revisão é a de Fernando Pessoa: não revisar nada, nunca, e jamais se propor a tarefa de dar uma forma definitiva para aquilo que se escreveu. Tão óbvio, tão evidente… e ainda assim parece a mais disparatada das decisões. Se toda profissão tem suas agruras, algumas só suportáveis a longo prazo por aquele dotado de vocação para exercê-la, ao escritor talvez nenhuma seja mais frequente que o deparar-se com um trabalho ruim. Diferentemente de outras profissões, em que o resultado e a eficácia do trabalho são facilmente mensuráveis, e daí portanto mais facilmente se percebe uma evolução na técnica e os efeitos positivos da experiência, o trabalho do escritor parece sempre fadado a ser visto como insatisfatório por suas próprias lentes, algo que se torna violentamente evidente no processo de revisão. Revisando textos longos, aprende-se que os erros mais elementares, na escrita, são invencíveis, porque, entre outros variados motivos, a atenção nunca se mantém constante por um longo período. E assim que, para a sua satisfação psicológica, o melhor é que o escritor jamais revise; do contrário, será forçado a tomar regularmente duríssimas lições.
A despeito de toda aflição inerente…
É verdade que, a despeito de toda aflição inerente da escrita, organizar o pensamento, moldá-lo em palavras, variando formas, testando novas possibilidades e vestindo-o diferentemente a cada nova peça, tem o seu quê de prazeroso. Despretensiosamente, é possível aproveitar e tomar gosto pelo processo, sem o qual não se chega longe nas letras. O lamentável é que a literatura não se resume a estes momentos em que o pensamento parece matéria inerte e a função do artista simplesmente conformá-lo, como se, com fazê-lo, o artista se não vinculasse a ele de forma que a expressão aparenta sempre imperfeita e sempre a representar uma dolorosa separação.