Um grande escritor não escreve para a sua geração e deve aceitá-lo. Mais difícil será o fazê-lo quanto mais perca o senso da própria grandeza ou, antes, da grandeza da própria missão. O fazer literário, o desejo de inserir-se na literatura tem de ser encarado, primariamente, como um reconhecimento do valor e do poder das letras. Manifestar-se desta, e não de outra forma, implica meditar e escolher. Por que a literatura? A reflexão logo apontará o óbvio: o escritor é alguém transformado por ela, e escreve porque assim fizeram os objetos de sua admiração.
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O escritor estará perdido caso não sinta…
O escritor estará perdido caso não sinta uma atração irresistível pela língua, que o obrigue a estudá-la ainda que não queira, numa prática cuja abstinência se manifeste num profundo desconforto. Se é isso predestinação, não faz diferença. O certo, porém, é que não suportará os obstáculos e frustrações da profissão caso não se sinta a evoluir pelo estudo prolongado ao infinito, só possível com uma tolerância às letras que melhor se definiria como uma paixão. Se a elas se acorrenta e não se sente à vontade, é preciso que, no mínimo, sinta a satisfação característica do cumprimento de um dever.
O que a escrita proporciona
O que a escrita proporciona não se alcança pela vida: ação de nenhuma espécie pode igualá-la ou substituí-la. De início, a ordenação e expressão do pensamento — o passo adiante à leitura; a consolidação do aprendizado e do raciocínio. Depois, o caráter reflexivo do processo: ainda que fosse possível discursar pelo tempo que se escreve e sobre aquilo que se escreve, o discurso é radicalmente diferente da escrita por não permitir, ou melhor, por não exigir a revisão, que resume-se a uma reflexão aprofundada sobre aquilo que se ensaiou exprimir e uma decisão quanto à sua expressão mais precisa. Por individual, a escrita incentiva a autoanálise, conjugando-a a uma ação que se materializa no registro do pensamento. Destarte, para aquele que escreve, pode funcionar simultaneamente como desabafo e meditação. Nada disso, porém, expressa os principais efeitos do processo, que assim poderiam ser resumidos: crescimento e transformação.
Aquele que se acostume a escrever…
Aquele que se acostume a escrever séria e regularmente sobre a vida logo verá o hábito transformar-se numa necessidade que, caso negligenciada e submetida a um período de abstinência, fará com que sua cabeça se sinta fisicamente a explodir. Chega a ser engraçado como, especialmente no princípio, é preciso esforçar-se pela cristalização do hábito, é preciso forçar as palavras a acostumarem-se a se transferir para o papel. Em poucos anos, já não se pode viver sem fazê-lo, e a simples falta de um bloco de notas, seja ao lado da cama ou debaixo do chuveiro, pode causar uma tremenda perturbação.