Um extraordinário acelerador da consciência

Diz Brodsky, em tradução portuguesa de um de seus discursos na Suécia:

Aquele que escreve um poema o faz, acima de tudo, porque escrever versos é um extraordinário acelerador da consciência, do pensamento, da compreensão do universo. Aquele que experimenta essa aceleração uma vez não consegue mais abandonar a chance de repetir essa experiência, caindo na dependência do processo, como outros o fazem com drogas e álcool. Aquele que se encontra nesse tipo de dependência da linguagem é, acredito eu, o que chamamos de poeta.

É realmente indescritível a sensação de escrever um poema e, em seguida, analisar o processo. Da ideia ao verso finalizado transcorrem etapas que exigem, primeiramente, a tomada de consciência — para dizer como Brodsky — da ideia, a sua visualização precisa; em seguida, é preciso expressá-la, materializá-la na linguagem. O resultado desta realização é, para o poeta, a assimilação e o domínio daquilo que, anteriormente, não era senão algo opaco. Há casos, porém, que o resultado é ainda mais impressionante, e a ideia desenvolve-se de maneira inesperada: é como se o poeta, à medida que avança no poema, avançasse no próprio pensamento, como se desbravasse o desconhecido e, no fim do processo, aumentasse o escopo de sua percepção.

É preciso escrever regularmente…

É preciso escrever regularmente para que o hábito automatize a reafirmação do voto e o espírito não sucumba aos perigosíssimos lapsos nos quais a literatura parece insuficiente e a motivação se esvai ante a aflição de escrever ou, antes, ante a aflição de existir. O escritor não pode permitir que a limitação da vida transmita a ilusão de que a literatura é também limitada. É preciso que enxergue nesta justamente o que aquela carece; portanto, transformando a ocupação não somente num refúgio, mas na solução do problema de existir.

Se um povo não possuísse nenhum distintivo…

Se um povo não possuísse nenhum distintivo além da linguagem, esta já seria suficiente para dar-lhe uma literatura inteiramente original, ainda que se limitasse refazer o já feito em outros idiomas. Quer dizer: se a linguagem é autêntica, nunca se imita, porque nela sempre haverá algo de singular. Mas além disso: a maior literatura será aquela que englobar, no próprio idioma, a maior gama de modelos e temáticas, e portanto é mais que conveniente, mas necessário repensar na própria língua o que já foi pensado noutras, recriar o já criado dotando-o, pela linguagem, de cores autenticamente vernáculas: só assim se constrói uma tradição literária vigorosa e de valor universal.

Se é necessário que o escritor estabeleça…

Se é necessário que o escritor estabeleça um elo com seu tempo, ele não pode fazê-lo senão o vivendo. É inevitável… por mais que se tente, não se pode sentir um tempo passado ou futuro como o sentiram e o sentirão aqueles que nele viveram ou hão de viver. Por isso, só se pode ter de um tempo longínquo uma noção, e uma noção inteiramente dependente do grau com que o escritor o sentiu na carne para então nos descrever. Desta forma, viver o próprio tempo pode ser pelo escritor encarado como uma missão em benefício daqueles que ainda não nasceram, e portanto é perfeitamente possível, e até necessário, que ele encontre sentido naquilo que pareça desagradável e importuno: só assim ele poderá ser útil e imprescindível àqueles que virão.