Se algo é publicado, será lido

Se algo é publicado, será lido: é esta uma realidade inevitável. Mas é bom pensar que tal nunca ocorrerá, pois assim se pode criar com tranquilidade e independência. Há algo de belo e solene neste silêncio que acompanha a criação e, o mais das vezes, a recepção de uma obra. É um silêncio ilusório, mas extremamente estimulante, e se fez presente na maior parte das grandes obras já concebidas. Se pensar no natural rompimento deste encanto, o artista julgará melhor jamais publicar nada, e por isso não deve fazê-lo: deve permitir-se iludir, e aproveitar a calmaria como se fosse garantida e eterna.

É estranho notar a absoluta irracionalidade…

É estranho notar a absoluta irracionalidade deste dever que é frequentemente o inesgotável e mais potente combustível na trajetória de grandes escritores. Quando perguntados sobre a razão de tanto esforço e tanta aflição, não parece suficiente, e sequer crível a resposta do “eu tenho de fazer”. Uma vida inteira, então, justificada por algo inexplicável… isso é, sem dúvida, algo aparentemente frágil; e, no entanto, assim é.

Dedicar-se a sapatos

A vantagem do intelectual que, como Boehme, dedique-se a sapatos durante o dia é escrever aquilo que quiser, quando quiser e como quiser, lendo também aquilo que quiser por quanto tempo quiser, e publicando aquilo que escreveu somente se quiser. Em suma: a liberdade. Não é preciso envolver-se em polêmicas, agradar ou submeter-se a editores e outros escritores, nem lidar com leitores-clientes, nem nada. Há sapatos que servirão sempre como alforria intelectual. Nada há que pague essa autossuficiência e essa despreocupação. Liberdade, enfim, é sempre dignidade.

O papel da criatividade numa obra

O papel da criatividade numa obra é simplesmente direcionar o esforço. Este, e não aquela, é que fará com que a obra se concretize. Naturalmente uma obra em que a primeira não brilhe parecerá fraca: mas ainda assim é uma obra concretizada, algo que nunca terá aquele que idealize o papel da criatividade julgando-a capaz de materializar-se desprovida de um trabalho maçante. Estimula-se o cérebro e este aponta caminhos: o percorrê-los, porém, é feito pelas pernas.