Os verdadeiros e os artificiais

Diz Guyau, no prefácio de Vers d’un philosophe:

Il y a deux écoles en poésie : l’une recherche la vérité de la pensée, la sincérité de l’émotion, le naturel et la fidélité parfaite de l’expression, qui font qu’au lieu d’un auteur ” on trouve un homme ” : pour cette école, pas de poésie possible sans une idée et un sentiment qui soient vraiment pensés et sentis. Pour d’autres, au contraire, la vérité du fond et la valeur des idées sont chose accessoire dans la poésie : le tissu brillant de ses fictions n’a rien de commun ni avec la philosophie ni avec la science ; c’est un jeu d’imagination et de style, un ravissant mensonge dont personne ne doit être dupe, surtout le poète.

Tal divisão, que parece mais precisa que as tradicionais escolas literárias, e que pode ser facilmente estendida às outras artes, resume os artistas em dois grupos: os verdadeiros e os artificiais. A única ressalva possível consiste em dizer que, em muitos casos, a emoção imaginada pode ser uma emoção sentida, isto é, a imaginação, por fortíssima, vale de experiência. De resto, é admitir que há aqueles que fazem arte por uma necessidade expressiva, aqueles aos quais uma vida sem arte é absolutamente injustificada, absolutamente impossível; e há aqueles aos quais a arte é um divertimento e uma exibição. Isso basta.

A língua carece de uma obra

Notando a confusão terrível em que se encontram, ainda hoje, alguns conceitos da versificação portuguesa, como a “cesura” e o “encadeamento”, sendo a primeira utilizada para exprimir desde tonicidade à divisão silábica, incluindo usos mais criativos como “o repouso da voz sobre uma sílaba”, e a segunda para expressar tanto o chamado cavalgamento como a repetição de fonemas, frases ou até versos inteiros, concluímos que a língua carece de uma obra que seja capaz de esclarecer tais e outros conceitos. Os tratados de Castilho, Bilac e Guimarães Passos são incompletos por não dedicarem uma linha ao ritmo — curiosamente, o que há de mais importante na poesia; — outros há que, embora devam ser reconhecidos pela intenção, lamentavelmente não compreenderam ou compreenderam incorretamente muitos aspectos básicos da poesia. Duque-Estrada e Bandeira, grandes versificadores, produziram obras de bolso, pouco abrangentes. Said Ali brilhantemente expôs uma interpretação nova à versificação portuguesa, mas sua obra não é capaz de instruir, do zero, um iniciante, posto que se escusa a estender-se em muitos conceitos que ao autor pareciam óbvios. Disso tudo parece a língua carecer não de um tratado com regras, mas de uma obra que simplesmente clarifique conceitos básicos e reúna o que há de positivo desde Castilho, sendo um apoio seguro para aqueles que desejam fazer versos. Como é possível não havê-la?

Sempre desagradável…

É curioso como o processo de escrita parece sempre desagradável ou, no mínimo, expõe sobremaneira os seus piores aspectos. Começa-se uma obra em prosa, e a mente se recorda de como a poesia é mais bela; esboça-se um volume de versos, e a mente parece ter saudade da produtividade da prosa. Não há escapatória: crie-se o que for, será o processo sempre uma luta e abandoná-lo sempre mais fácil. Por isso, causa uma certa inveja quando observamos aqueles que brincam fazendo arte ou fazem-na pensando nas cifras, na fama, nos leitores. Embora produzam obras medíocres, livram-se desta insuportável angústia e deste desejo terrível de aniquilação.

A liberdade na disciplina

Auguste Dorchain, em L’art des vers, definiu admiravelmente o encanto proporcionado pela poesia: “la surprise dans la sécurité”, “la variété dans l’unité”, “la liberté dans la discipline”. É o equilíbrio entre tais contrastes que nos dão uma sensação de prazer ao percorrer uma obra poética. Sem a segurança, a unidade, a disciplina, não nos parece o conjunto harmonioso; sem a surpresa, a variedade, a liberdade, ele não nos parece estimulante. Assim, é justo que um poeta defina quais elementos representarão as primeiras qualidades, e quais as segundas em seu poema. É balanceando-as que se constrói um todo bem-feito, ainda que se penda mais para o efeito mais desejado. Embora seja compreensível o anseio por liberdade que inspirou poetas do passado, embora muitas inovações renovaram e engrandeceram admiravelmente a arte poética, parece uma depreciação da arte o aceitá-la executada de qualquer jeito, como se fosse premiada com elogios a música de um leigo que tocasse desordenadamente um instrumento musical.