Fazer bons versos é difícil

A verdade é que fazer bons versos é difícil: é preciso apuro, paciência, elevação de ideias… ao passo que, para fazer versos chamados bons, basta uma afinidade. Ocorre que ser exótico, em poesia, é por vezes cativante; por vezes diverte e até impressiona a novidade técnica; contudo, após algumas páginas, deixa esta de impressionar e fica evidente as paragens habitadas pela mente criadora. Se não há engenho, se não há grandeza, se não há profundidade, se lhe resumem os versos em brincadeiras e futilidades, tudo isso torna-se impossível de esconder.

O poeta moderno, adepto das práticas…

O poeta moderno, adepto das práticas em voga de exterminar a pontuação dos versos, alterar grafias, ignorar maiúsculas, desenhar com letras, repetir palavras exaustivamente, etc., etc. tem de concentrar-se muito para não se passar por uma criança ou, em casos mais graves, por um retardado mental. Como pouquíssimas páginas bastam para enjoar de tais artifícios! Depois, ficamos a perguntar: e que mais? Frequentemente, temos de concluir que não passam eles de disfarces para uma incapacidade de se trabalhar palavras de maneira dinâmica e interessante, mostrando domínio e valendo-se criativamente dos recursos que oferecem o idioma. Acabamos por refletir naquilo que tanto repetem os latinistas, e parece mesmo a inteligência estar relacionada à habilidade na articulação da linguagem…

Admira ver o autor que intercala sons e imagens

Embora não seja possível dizer que haja algo como o método de narrativa ideal, admira ver o autor que intercala sons e imagens, ações e pensamentos, como que estimulando todo o nosso aparato imaginativo. Tal balanço confere o mais das vezes uma dinâmica estimulante às linhas que lemos, e parece grande parte dos efeitos da obra derivarem destas variações que tornam as singularidades mais salientes. A uma cena estática, descritiva, segue-se uma ação repentina, que desemboca em reflexões e assim por diante; quer dizer: cada passagem acaba realçada em contraste com a anterior e com a seguinte; e, talvez, seja isso algo positivo para o conjunto.

O uso da tinta e do papel

É com grande entusiasmo que leio notas de escritores justificando, neste século, o uso da tinta e do papel. São os argumentos referentes à produtividade que mais me impressionam: para muitos, o ritmo cerebral parece ajustar-se melhor à escrita manual. Espanto-me por notar que, durante séculos, exatamente assim se fez literatura, por este método que é como avesso ao meu modo de escrever. Não há dúvida que há um certo charme, um certo encanto em ver a tinta no papel, em ver na caligrafia mais um traço da singularidade do autor, em ver a cadência natural da escrita à mão, pela qual lentamente as letras tomam forma, a ideia transforma-se em palavras e a criação mental concretiza-se materialmente. É tudo isso estimulante. Porém… que dizer? Afirmam tais escritores que a morosidade do método favorece a reflexão justa e, portanto, saem as palavras mais precisas. De minha parte, não conheço a escrita senão como um processo muito mais de destruição e reconstrução de frases: a mente, auxiliada pelo velocíssimo bater dos dedos nas teclas, jorra ideias desordenadamente na tela; o cérebro então raciocina e vai ordenando e modelando tais ideias, que vão sendo reescritas de maneira mais adequada. A cada duas frases, uma é completamente apagada e melhor conformada em nova tentativa; no fim do parágrafo, novas correções… Então fico aqui a imaginar que faria eu caso tivesse de adaptar-me ao papel e à tinta: e parece-me, mais do que nunca, justificada a sempre acesa fogueira de Kafka.