O artista bon-vivant

Diz Burckhardt, em minha tradução inglesa:

Indeed, without this degree of force of character, the man of the most brilliant “talent” is either a fool or a knave. All great masters have, first and foremost, learned, and never ceased to learn, and to learn requires very great resolution when a man has once reached heights of greatness and can create easily and brilliantly. Further, every later stage is achieved only by a terrible struggle with the fresh tasks they set themselves.

“Force of character”, “never ceased to learn”, “terrible struggle”… aí está uma visão sensata do estado de espírito que produz grandes obras. É realmente uma piada essa visão romantizada do artista bon-vivant, tão disseminada nestes dias. Segundo ela, o exercício da arte é um prazer, um divertimento para os momentos de ócio. Um artista desta estirpe é, se muito, medíocre. Diante da postura de um artista sério, mesmo a tão falada “busca pela beleza” parece de uma futilidade afrontosa. Toda essa idealização do artista e da arte não parece definir muito bem a motivação real daquele que dedica um esforço descomunal, que molda a existência inteira em torno da própria ocupação, nunca relaxando, nunca satisfeito, na contramão daquilo que lhe é conveniente. Burckhardt, como poucos, apresenta-nos uma visão prudente daquilo que representa a verdadeira grandeza.

A maestria numa ocupação é condicionada ao ponto de partida

Nietzsche disse, em algum lugar, que a maestria numa ocupação é condicionada ao ponto de partida do indivíduo, mais especificamente, a quanto este recebe de legado. Portanto ao filho desejoso de eminência, o recomendado é seguir-lhe os passos do pai. Há nisto uma boa dose de verdade; mas, como sempre, as exceções são mais curiosas que a regra. Que maravilhoso senso de ironia do destino em colocando um Nietzsche como filho de um pastor protestante! e um Cioran, a crescer filho de um padre! Destes e de outros exemplos notamos que a eminência, além do aprimoramento do legado, também aceita a ruptura violenta como ponto de partida.

O escritor pode dormir até no chão…

Foi Faulkner, creio, quem disse que o escritor pode dormir até no chão, mas precisa de um lugar decente para trabalhar. A ideia é interessante em muitos aspectos. Primeiramente, por evidenciar necessária uma seriedade no lidar com o próprio trabalho; caso contrário, dificilmente se fará algo de valor. Ter um local “decente” para o trabalho, ainda que não haja condições decentes no restante da vida, é uma mostra de prioridade, de respeito pela própria ocupação. Psicologicamente, é saber que há o momento mais importante do dia, o momento para o qual a rotina é moldada e os esforços devem convergir. Com isso, vários problemas são superados. Há outro aspecto digno de nota: o conforto de um local “decente” confrontado com o “dormir no chão” é a satisfação para alguém que, acostumado a condições inadequadas, acomoda-se num ambiente propício e estimulante. Uma cadeira razoável, uma mesa, luz e silêncio; um horário definido e um compromisso gravado na pedra — assim, soterra-se as desculpas oriundas da fraqueza mental.

Graduações de manifestações mentais

Há vezes que a ideia pouco vale — mas deve ser anotada; — em reflexão ulterior, porém, é justo descartá-la. Outras vezes a ideia parece fraca, mas posteriormente, reexaminada com alento renovado, tira-se-lhe algo valioso, e o fraco demonstra-se centelha importante. Outras a mente manifesta-se com clareza, e a ideia parece justa — destas extrai-se o grosso de uma obra. E outras ainda, a mente manifesta-se com tamanho ímpeto que o artista, refreando-a, deixando de imediatamente debruçar-se sobre quanto ela tenta dizer-lhe, comete um crime contra si mesmo, e desperdiça o melhor que pode extrair de suas manifestações mentais. Não basta atenção e método; para o aproveitamento máximo da mente, é preciso uma disposição que contraria o conveniente.