O determinismo é medíocre e covarde

O determinismo é, antes de tudo, medíocre e covarde. Ainda que seja, em alguma medida, ironizada severamente pelo fado, uma compreensão da realidade que ceda espaço ao livre-arbítrio é infinitamente superior a resumir o ser humano num fantoche. Se o mérito acaba inexoravelmente em derrota e, muitas e muitas vezes, vacila ou é tombado em seu próprio campo de ação, não quer dizer que não entregue dignidade ao ser que se escusa de justificativas que não fazem senão evidenciar a própria impotência. Compreender o mundo como imune à ação humana e a ação humana como um fenômeno incontrolável é resumir o ser humano num cachorro — o que pode até ser verdade, desde que não tomada como universal.

____________

Leia mais:

A convivência é um pacto de falsidade

Deparo-me com o problema, percebo-o o mesmíssimo de sempre. Volto a mim mesmo. Há dois anos, lançava a única série televisiva que produzi. Há dois anos, um personagem meu dizia:

— A convivência é um pacto de falsidade. Uma dose mínima de sinceridade atira a convivência pro espaço. O sujeito pode ser um idiota, ou um cínico, não há terceira opção.

E ouvia a resposta do amigo:

— Convivência é vestir a roupa e deixar o dinheiro em cima da cama.

Por que sempre a mesma pergunta?…

____________

Leia mais:

O ser humano não muda a própria essência

O “tornar-se uma pessoa melhor” exige um aniquilamento interior impiedoso e contínuo, uma humildade e um despego de si mesmo que beira a repugnância, um esforço sobre-humano para calar a renitente e naturalíssima voz da vaidade, que se manifesta tão logo o ser lhe reconheça a capacidade de pensar. Visto ser tarefa quase inexequível, posto exigir o enfrentamento de batalhas duríssimas e que nunca terminam, é sensato dizer que, após a idade adulta, o ser humano lhe não muda a essência, ainda que queira, ainda que tente, ainda que creia.

____________

Leia mais:

Vivem pouco justamente os que aparentam viver muito

Bato estas notas, sempre, em ambiente estático, em completa solidão. Tudo rigorosamente imóvel, exceto meus dedos assanhados. Há pouco, pensei em Fernando Pessoa. Para o meu espanto, ele apareceu vivo, vivíssimo do meu lado. Como? É o que eu gostaria de saber. Havia pensado, pouco antes, em escrever o seguinte: “A existência só me é justificável como resposta aos autores que li, como a continuidade do que eles começaram”. E concluiria que, apesar de mortos, eles não morreram. Então Pessoa irrompe no meu quarto. É curioso: há um século atrás, ele estava, como eu, encerrado num quarto em qualquer canto de Lisboa, refletindo em solidão. Sabia ele da potência dos próprios versos? que resistiriam, vigorosos, à tirania do tempo? Sabia… o Pessoa sabia… E, naturalmente, aos olhos do mundo, encerrado num quarto, o poeta “deixava de viver”. Pergunto: e agora, e para o resto da eternidade, quem vive e viverá mais: o sujeito que “vivia”, ou o poeta, que “deixava de viver”? Um século depois, Pessoa, rompendo a barreira do tempo e do espaço, encontra-se em meu quarto. E se abro sua Ode marítima, serei tomado de uma euforia real e fortíssima, mais viva que qualquer outra sensação que uma pessoa (com “p” minúsculo) contemporânea poderia me gerar. E aí está o óbvio: vivem pouco — muito, muito pouco — justamente os que aparentam viver muito, aos olhos do míope convencional…

____________

Leia mais: