Lembro-me do dia em que decidi iniciar estas notas. Como todas as decisões importantes, essa veio-me como uma rajada, tomando-me a mente e forçando a ação imediata. No instante seguinte, a reflexão sobre o que escrever. O consenso: começar pelos agradecimentos. Então escrevi sobre Nelson, Dostoiévski, Swift, Pondé e alguns outros, e não tardou uma semana da decisão à publicação das primeiras notas. Pois bem. Ao iniciado, não vejo postura razoável que não seja a de humildade; é necessário prestar contas àqueles que contribuíram, de alguma forma, à sua iniciação. A gratidão é um exercício nobre e proveitoso, o reconhecimento é uma exigência do caráter. Digo isso para concluir: a faculdade do agradecimento parece-me um belo parâmetro para distinguir aquele que, por esforço voluntário, empenha-se para ser maior do que a própria vaidade.
Tag: filosofia
A utopia máxima é a estabilidade
A utopia máxima é a estabilidade — e um erro grosseiro buscá-la num mundo essencialmente instável. Numa realidade de movimento contínuo e obrigatório, mesmo o medo perde-lhe o caráter justificável: a palavra é adaptação.
Objetivo: palavra inventada por homens
Penso nas concepções artísticas de Poe e Tolstói e, súbito, ponho-me a rir. De um lado, a construção de uma beleza suprema; doutro, a transmissão de um sentimento ao leitor. Objetivos: aí está a graça. Não sei por que, começo a pensar em arte e vem-me à mente o universo cego, representação máxima do acaso. Penso em tudo, como conjunto, e enxergo o nada, o céu vazio, a indiferença, a exterminação certa e a improbabilidade de um fim. “Objetivo” é palavra inventada por homens que, como homens, tende a perecer. Estrelas brilham por nada, uma galáxia imensa pode simplesmente sumir. E acabo refletindo sobre o antiquíssimo “esforço inútil”. A beleza se esconde na certeza da derrota? A misericórdia exige a queda? Se nada mais me interessa, por que exatamente tenho a arte como valorosa, indutora do sentido? Parece-me tudo, sempre, conduzir às mesmíssimas questões…
Todo livro deveria conter uma etiqueta colorida colada à capa
Quando imagino a postura de Cioran diante de um papel e comparo-a com a de alguns artífices do entretenimento consagrados como best-sellers, penso que todo livro deveria conter uma etiqueta colorida colada à capa a indicar se a obra é séria ou trata-se de diversão, passatempo, brincadeira — talvez uma carinha feliz cumpriria bem o papel para estas. A sinceridade é dotada de um potencial agressivo que ao marketing convém evitar a todo custo. Quem é que paga para ser agredido? Certamente não o público mainstream. E, no mais, a classificação seria útil para que o leitor soubesse de quem poderia pedir qualquer satisfação, a quem seria visto como cliente e, portanto, quem estaria verdadeiramente interessado em sua satisfação. Proveitoso e facílimo seria identificar quem publica pela fama e quem risca o papel percebendo-se a sangrar.