A virtude é simples e o vício complexo

Certamente já notaram que a virtude é simples e o vício complexo. A virtude não dissimula, e apresenta-se quase sempre banal, chocha, sem graça, o que frequentemente engana sobre sua natureza. Já o vício, é difícil que o enxerguemos, de pronto, como vício: comparando-o com a virtude, nele temos uma apresentação mais charmosa, mais instigante. A virtude é simples porque, para justificá-la, jamais se necessita mais que uma meia dúzia de palavras ou do imediato senso comum; já o vício vale-se de possibilidades mais sofisticadas do argumento, e sua dialética convence justamente pela sofisticação. A reflexão sobre tais qualidades parece sugerir o dualismo entre forma e conteúdo — e as conclusões que tiramos evidenciam, a contragosto, aquela que valorizamos mais.

É proveitoso ao moralista capacitar-se…

Em certa medida, é proveitoso ao moralista capacitar-se a identificar a falsidade de longe, de forma que uma inflexão ou um olhar sejam suficientes reveladores de um caráter. Pragmaticamente, esta capacidade lhe será útil por toda a vida. Há, porém, um efeito colateral inevitável: percebendo-lhe a quase onipresença, tem de ou tolerá-la, ou afastar-se. Se aprendeu a detestá-la, se dela tomou uma repulsão invencível, descairá naquela rara prática hoje taxada de transtorno de personalidade, e ainda que, pelo motivo que seja, acabe cedendo à tortura que se lhe converterá o contato com o mundo, é somente naquela que encontrará a sua paz.

As masmorras do pensamento

Um pensador independente preocupado com as finalidades últimas da existência tem de necessariamente alojar-se por um tempo nas masmorras do pensamento. E, então, estudá-las e conhecê-las. Alguns ali permanecem por toda a vida; mas parece, contudo, que chega o momento em que é preciso deixá-las e retornar ao ambiente prévio, como retornam sempre os heróis de suas jornadas: transformados e com algo a ensinar.

Talvez seja mais ilusória que real…

Talvez seja mais ilusória que real a importância desse quê misterioso, desse algo por dizer recomendado por Poe e tão utilizado em literatura. Quer dizer: pouco importa se a mensagem de uma obra é apresentada direta ou obliquamente, o que importa é quanto ela impacta e quanto é capaz de fazer pensar. É verdade que, quando se encerra uma obra deixando a conclusão sob penumbra, parece o autor instigar-nos a esboçá-la por nós mesmos. É também comum que fiquemos com a sensação de que tal desfecho encerre algo profundo, ainda que seja apenas uma impressão. Contudo, há obras cuja mensagem nos impacta com tamanha violência que se nos entranha para nunca mais nos deixar — e estas, muitas vezes, perderiam a força caso não dissessem o que dizem de maneira que nos é impossível mal interpretar.