Por mais que se critique simplificações como o maniqueísmo, o mundo prático permite, e por vezes exige tais simplificações. Quando a boa-fé e a má-fé se confrontam, é fundamental, antes de tudo, denunciá-las. Assim, quando se nota que a maioria das disputas ideológicas resumem-se àquele confronto primário, é preciso atirar para longe as ideologias e ater-se àquilo que, de tudo, é o mais importante; do contrário, entra-se no jogo ardiloso da má-fé.
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A virtude é simples e o vício complexo
Certamente já notaram que a virtude é simples e o vício complexo. A virtude não dissimula, e apresenta-se quase sempre banal, chocha, sem graça, o que frequentemente engana sobre sua natureza. Já o vício, é difícil que o enxerguemos, de pronto, como vício: comparando-o com a virtude, nele temos uma apresentação mais charmosa, mais instigante. A virtude é simples porque, para justificá-la, jamais se necessita mais que uma meia dúzia de palavras ou do imediato senso comum; já o vício vale-se de possibilidades mais sofisticadas do argumento, e sua dialética convence justamente pela sofisticação. A reflexão sobre tais qualidades parece sugerir o dualismo entre forma e conteúdo — e as conclusões que tiramos evidenciam, a contragosto, aquela que valorizamos mais.
É proveitoso ao moralista capacitar-se…
Em certa medida, é proveitoso ao moralista capacitar-se a identificar a falsidade de longe, de forma que uma inflexão ou um olhar sejam suficientes reveladores de um caráter. Pragmaticamente, esta capacidade lhe será útil por toda a vida. Há, porém, um efeito colateral inevitável: percebendo-lhe a quase onipresença, tem de ou tolerá-la, ou afastar-se. Se aprendeu a detestá-la, se dela tomou uma repulsão invencível, descairá naquela rara prática hoje taxada de transtorno de personalidade, e ainda que, pelo motivo que seja, acabe cedendo à tortura que se lhe converterá o contato com o mundo, é somente naquela que encontrará a sua paz.
As masmorras do pensamento
Um pensador independente preocupado com as finalidades últimas da existência tem de necessariamente alojar-se por um tempo nas masmorras do pensamento. E, então, estudá-las e conhecê-las. Alguns ali permanecem por toda a vida; mas parece, contudo, que chega o momento em que é preciso deixá-las e retornar ao ambiente prévio, como retornam sempre os heróis de suas jornadas: transformados e com algo a ensinar.