A ótica taoista

Há uma notável beleza quando se medita sobre a realidade sob a ótica da filosofia chinesa ou, mais precisamente, sob a ótica taoista. O princípio de dualidade justifica-se porque, em última instância, é necessário um equilíbrio, uma harmonia para que o mundo continue existindo. O taoismo é uma doutrina que nos força a vencer, no micro e no macro, o caos aparente, fornecendo-nos tão somente a meditação prolongada como meio de superação. Esta, inevitavelmente, nos conduzirá à conclusão redentora, cujo efeito é a paz. Impressiona notar a aplicabilidade desta que parece uma filosofia demasiado simples, posto seja possível verificar atuantes os princípios que a sustentam onde quer que as lentes sejam direcionadas. É, sem dúvida, uma doutrina digna de admiração.

O grande gênio o mais das vezes vive estorvado

Creio ter sido Carpeaux a notar que o grande gênio o mais das vezes vive estorvado pelas circunstâncias. E mesmo que não queira, mesmo que resista, uma força parece colocá-lo em movimento, proibir-lhe a inércia improdutiva. Assim temos o perfil mais comum: um indivíduo nem pobre, nem rico; nem totalmente desprovido de meios, nem agraciado com demasiadas facilidades. Põe-se em ação; fá-lo porque precisa, porque sente pulsando um desejo e uma necessidade de superar-se, de elevar-se, que não é senão uma recusa terminante das condições presentes. Destarte, adquire uma motivação inquebrantável, disposta às últimas consequências para alcançar aquilo que se propôs. Adapta-se como pode aos estorvos momentâneos e segue adiante, sempre adiante. Então, todo esse conjunto complexo de circunstâncias de que fala Pessoa, especialmente as do ambiente, torna-lhe o espírito excepcionalmente vigoroso, para que seja por fim beneficiado pelos necessários — como também nota Pessoa — “episódios mínimos de sorte”. É um fenômeno interessantíssimo, e que dá o que pensar…

A personalidade só floresce no deserto

De Nietzsche:

Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma — e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom.

A personalidade só floresce no deserto e não resiste a muito tempo de contato coletivo, o qual não faz senão estrangulá-la. É como uma tortura ao indivíduo consciente de si, habituado a viver como pede-lhe o íntimo, fazendo da própria vida uma realização interior o encontrar-se coagido pelo meio, que o impele a negar-se posto que representa a antítese da singularidade que o define. Prezando-se, não deve ele permitir-se mais que doses homeopáticas de contato com os homens, sempre atento para que estas não lhe contaminem a rotina e sabendo que, afinal, o que mais tem a ganhar com fazê-lo é o topar-se repetidamente com os motivos que justificam e exigem a afirmação do próprio voto.

É realmente prazeroso encontrar em autores conclusões…

É realmente prazeroso encontrar em autores conclusões a que chegamos previamente e por conta própria. Nada, porém, se compara a encontrá-las contrárias às nossas quando, se não refutam-nos por completo, mostram-se igualmente razoáveis. No primeiro caso, não nos alegramos senão por vaidade; no segundo, efetivamente crescemos. Há de se admitir, porém, que é este um prazer raro, dificilmente inato, e mais frequentemente fruto de um esforço contínuo, de uma educação da mente para que aceite o contraditório e compreenda a realidade como ambígua e multifacetada — algo que pouquíssimos espíritos se dispõem a fazer.