Embora seja um tema de quinta categoria, a investigação da origem das ideologias políticas que correm na boca das massas ensina um bocado sobre a corrupção moral do homem. A perversidade e o cinismo daqueles que parem ideologias é de espantar o mais calejado dos moralistas. Tarados por controle, especialistas na eficacíssima ciência da mentira, despojaram a política de qualquer moralidade e a transformaram na simples arte da maquinação. Surpreende vê-los, em absoluta desfaçatez, apregoando narrativas falsas a revestir os mais vis interesses e que efetivamente condenam à miséria aqueles aos quais pedem — e conseguem! — apoio. É uma depravação sem limites. Instrutiva, porém, posto ensina o quão baixo o homem pode chegar.
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A intolerância aos pequenos erros…
A intolerância aos pequenos erros e pequenos defeitos conduz necessariamente ao isolamento. O mundo, se levado muito a sério, trava guerra declarada contra o espírito intransigente. Tal guerra não objetiva senão deixar claro: aceita-se o mundo como é, ou esmurra-se eternamente paredes. E as decepções que se empilham, as expectativas que baldam seguidamente, a perfeição que se mostra sempre fantasiosa, tudo isso corrói o espírito e poderia ser evitado. O melhor, sem dúvida, é nada esperar.
Sinceridade inconveniente
De Pessoa:
Nada me pesa tanto no desgosto como as palavras sociais de moral. Já a palavra “dever” é para mim desagradável como um intruso. Mas os termos “dever cívico”, “solidariedade”, “humanitarismo”, e outros da mesma estirpe, repugnam-me como porcarias que despejassem sobre mim de janelas. Sinto-me ofendido com a suposição, que alguém porventura faça, de que essas expressões têm que ver comigo, de que lhes encontro, não só uma valia, mas sequer um sentido.
Como é deliciosa essa sinceridade inconveniente! Há trechos de Fernando Pessoa que, publicados hoje, pô-lo-iam na cadeia. Mas como insulta essa noção estúpida de que naturezas inteiramente diferentes são semelhantes! Se ainda se limitasse a uma noção… mas o que há é uma imposição de valores, uma exigência feroz dos homens inferiores de que todos lhe sejam congêneres, algo inaceitável para um espírito superior. Por mais energicamente que reivindiquem e apregoem essa paridade fantasiosa, por mais que a vitória seja unanimemente cantada, haverá sempre um contraste de interesses insuperável. Bradem, vociferem, castiguem, o que for!, nada fará dissipar o desprezo que lhes será sempre direcionado.
Aflições produtivas
É irônico observar que, na maioria dos casos, a liberdade não produza bons frutos quando, em contrapartida, o desejo de liberdade seja um dos mais potentes propulsores do espírito humano. O homem, para ser produtivo, parece carecer de um estado que lhe proíba a inércia por simples necessidade. E toda a aflição oriunda da consciência da própria dependência, toda a tortura psicológica que brota desse desejo impossível de libertação parecem, afinal, proveitosas! É bem verdade que o tempo consagrado ao necessário aparenta sempre acima do tolerável; mas não há dúvida que a mente acostumada à agitação contínua, que tira ação da insatisfação com a própria circunstância, obra mais e melhor simplesmente porque se tornou mais ativa e vigorosa — ainda que por razões, digamos, pouco nobres.