Ainda que se viva ponderadamente…

Ainda que se viva ponderadamente, e que se tente planejar o ato a fim de que ele jamais saia irrefletido, e ainda que haja vistoso mérito em fazê-lo, há lances em que toda ponderação e todo planejamento são suplantados por um impulso que surge como necessidade. E notar que este prova-se frequentemente proveitoso! Por vezes, é justamente nele que se define toda uma trajetória, e dele deriva-lhe os melhores frutos. Parece a mente, nesta lógica que beira o irracional, sugerir que um longo e silencioso trabalho precedeu-lhe o estourar meticulosamente calculado. E então, é deixar que estoure…

São sempre proveitosos os momentos…

São sempre proveitosos os momentos em que a mente se volta ao passado e arrisca uma síntese daquilo que perdura de quanto fez e viveu: amiúde é aqui que obras aparentemente inúteis provam seu valor; é aqui, também, que as futilidades rotineiras se expõem de maneira patente. Então é possível notar que há pouco de verdadeiramente resistente aos efeitos do tempo e, assim, revigorar prioridades que acaso estejam negligenciadas. Mas além disso: é quando o ânimo fraqueja e a esperança vê-se em frangalhos que tal exercício prova-lhe a maior utilidade — e a mente enxerga, por ele, algo que justifica o persistir.

O injustiçado que se cala

É realmente bela a postura do injustiçado que se cala. Diante da injustiça patente, com todas as razões para rebelar-se e contra-atacar, responde ele com o silêncio. Parece a nós, que o observamos, tal atitude uma lição de moral. Esse estoicismo altivo, esse desprendimento do orgulho e essa indiferença para com o resultado tem um quê de grandiosidade tácita, cuja exploração ou não é frequentemente o brilho ou defeito de muitas tragédias. Em vida, tal espírito não merece de nós senão respeito.

Há um curioso vácuo…

Há um curioso vácuo que se segue a atos cruentos, apaixonados, irrefletidos, em que o homem extrapola os limites da ética. Parece a consciência emergir questionando razões, quando já não é possível desfazer o que se fez. O vácuo se impõe, geralmente resultando em arrependimento dos desnecessários excessos. É cabido o cotejo com o déspota que, num rasgo de cólera, comete uma injustiça tão indevida quanto escusada. Então se nota que, nuns, é tal vácuo instrutivo; enquanto, noutros, parece legitimar a imoralidade e prenunciar excessos ainda piores.