É de uma audácia formidável o dinheiro…

É de uma audácia formidável o dinheiro ter invadido o terreno da filosofia da forma que o fez. Nestes dias, qualquer tratado sobre a liberdade individual que se preze deve dedicar umas boas páginas a este tema tão terreno e tão desagradável. É como se um imenso balde de terra tivesse sido jogado em cima de um manancial de concepções idealistas. Não parece que seria hoje possível viver como viveram muitos ascetas de tempos passados; isto é, é improvável que, hoje, aqueles não seriam submetidos a uma necessária escravidão. É certo que a falta de dinheiro limita a liberdade, e não é preciso ser materialista para aceitar a hipótese de que, sim, também o dinheiro pode aumentá-la. Mas que pode fazer o dinheiro pela liberdade do homem? A partir de que ponto é supérfluo? Se o homem comum, forçosamente, tem de tomar parte na cultura do money-making, é justo que determine o quanto e até quando deve se afundar. Portanto, aí está um importante objeto para a ética…

Deveria haver um nome para o sentimento de afeto…

Deveria haver um nome para o sentimento de afeto em relação à própria terra que o diferenciasse deste patriotismo desprezível que não faz senão castrar a mente do julgamento equânime. O próprio dicionário já faria bem apontando xenofobia como possível sinônimo para patriotismo, tendo em vista o uso que se fez deste vocábulo infeliz. Que decepção! Abrir livros de história, e deparar-se com aduladores infames da tirania e do poder, encontrar justificativas inaceitáveis para todo tipo de crime, defrontar o apego à burrice, a recusa inarredável em admitir qualquer virtude que não afague o orgulho “patriota”… Cabe subscrever o que disse Cioran: “Un homme qui se respecte n’a pas de patrie”.

Uma decepção amorosa afeta, o mais das vezes…

Uma decepção amorosa afeta, o mais das vezes, uma camada superficial e menos nobre do indivíduo. Dói, mas é a dor física do animal ferido. Geralmente, não abala o conceito de amor na alma desiludida: é possível encontrar outro alguém. A decepção, porém, quando proveniente de um amigo a quem foi dedicada amizade no sentido único em que esta palavra deveria ser empregada, que eleva as almas envolvidas e enobrece a raça, é como uma punhalada de duríssimas consequências filosóficas e morais. Diferentemente da traição amorosa comum, não é o orgulho que se fere, mas a parte superior da natureza, que não pedia nada e recebeu mesquinhez em troca da generosidade. É algo que enche a alma de desgosto. Arrasa o conceito que se faz dos outros; debilita a capacidade de confiar; mina, de antemão, a disposição para relações futuras… Grande bobagem! Como se esta palavra, exatamente como a outra, já não estivesse corrompida…

As novas filosofias da “indulgência”

Por mais plausíveis, racionais e, sobretudo, sedutoras que pareçam essas novas filosofias da “indulgência” que brotaram no século passado, lamentavelmente pouco elas sabem sobre a natureza íntima do desejo. Embora haja, sim, algum fundamento na crítica dos métodos empregados pelas religiões para condenar a natureza humana e inocular nas almas um sentimento de culpa muitas vezes injustificado e embora, sem dúvida, a repressão violenta dos impulsos pode produzir monstros morais, o caminho da “indulgência” em nenhuma hipótese conduz aos resultados que estas filosofias prometem. Erram elas porque julgam que a indulgência entregará satisfação para as almas, mas esta, pelos meios propostos, é muito, muito fugaz. A indulgência não torna o indulgente senhor dos desejos, assim como não é por repressão que são estes superados. A satisfação perene é proveniente de uma elevação pacífica sobre a carne, um voltar-se inteiramente a algo mais elevado, que não é senão a adoção de uma escala de valores diferente daquela dos homens comuns. Mas aí está: para os novos filósofos da indulgência, adotar tal escala é impensável. O que eles jamais entenderão é que nem todo homem padece do desejo, porque há quem torne suas manifestações simplesmente insignificantes.