A intolerância aos pequenos erros…

A intolerância aos pequenos erros e pequenos defeitos conduz necessariamente ao isolamento. O mundo, se levado muito a sério, trava guerra declarada contra o espírito intransigente. Tal guerra não objetiva senão deixar claro: aceita-se o mundo como é, ou esmurra-se eternamente paredes. E as decepções que se empilham, as expectativas que baldam seguidamente, a perfeição que se mostra sempre fantasiosa, tudo isso corrói o espírito e poderia ser evitado. O melhor, sem dúvida, é nada esperar.

Sinceridade inconveniente

De Pessoa:

Nada me pesa tanto no desgosto como as palavras sociais de moral. Já a palavra “dever” é para mim desagradável como um intruso. Mas os termos “dever cívico”, “solidariedade”, “humanitarismo”, e outros da mesma estirpe, repugnam-me como porcarias que despejassem sobre mim de janelas. Sinto-me ofendido com a suposição, que alguém porventura faça, de que essas expressões têm que ver comigo, de que lhes encontro, não só uma valia, mas sequer um sentido.

Como é deliciosa essa sinceridade inconveniente! Há trechos de Fernando Pessoa que, publicados hoje, pô-lo-iam na cadeia. Mas como insulta essa noção estúpida de que naturezas inteiramente diferentes são semelhantes! Se ainda se limitasse a uma noção… mas o que há é uma imposição de valores, uma exigência feroz dos homens inferiores de que todos lhe sejam congêneres, algo inaceitável para um espírito superior. Por mais energicamente que reivindiquem e apregoem essa paridade fantasiosa, por mais que a vitória seja unanimemente cantada, haverá sempre um contraste de interesses insuperável. Bradem, vociferem, castiguem, o que for!, nada fará dissipar o desprezo que lhes será sempre direcionado.

Aflições produtivas

É irônico observar que, na maioria dos casos, a liberdade não produza bons frutos quando, em contrapartida, o desejo de liberdade seja um dos mais potentes propulsores do espírito humano. O homem, para ser produtivo, parece carecer de um estado que lhe proíba a inércia por simples necessidade. E toda a aflição oriunda da consciência da própria dependência, toda a tortura psicológica que brota desse desejo impossível de libertação parecem, afinal, proveitosas! É bem verdade que o tempo consagrado ao necessário aparenta sempre acima do tolerável; mas não há dúvida que a mente acostumada à agitação contínua, que tira ação da insatisfação com a própria circunstância, obra mais e melhor simplesmente porque se tornou mais ativa e vigorosa — ainda que por razões, digamos, pouco nobres.

O homem cuja vida expressa-lhe a motivação…

Zimmermann já notava, com dois séculos de antecedência, o que seria provado teórica e praticamente por Frankl:

Une forte résolution et ce désir d’atteindre un grand but peuvent nous rendre supportables les douleurs les plus aiguës.

Se, por um lado, um homem tomado pelo vazio evidencia-lhe a fragilidade diariamente, um homem cuja vida expressa-lhe a motivação íntima, cujos passos lhe parecem justificados, cheios de sentido, este homem parece de uma espécie inteiramente diferente. É como se tivesse, por toda a vida, treinado a si mesmo para a guerra, para a privação e para a dor. Nada parece capaz de abalá-lo. Erigiu-se, com longo e paciente esforço, uma fortaleza psicológica impenetrável. A vida se lhe tornou clara e o mesmo senso de prioridades que o norteia previne-o de sucumbir ao menos importante. Aquilo que, ao primeiro, é o fim da linha, a este configura uma nova oportunidade de afirmação.