O homem recluso, acostumado ao silêncio…

De Zimmermann, em minha tradução francesa:

On a dit avec raison que les savants astreints à une existence solitaire, et occupés de graves travaux, ne peuvent avoir ni la gaieté d’esprit, ni l’élégance de manières, ni la vivacité d’entretien des personnes qui vivent habituellement dans le monde et qui en connaissent tous les usages.

É claro que um homem de hábitos tão raros e tão contrastantes com aqueles dos homens comuns se mostrará, pelo próprio comportamento, essencialmente diferente. O homem recluso, acostumado ao silêncio e à meditação profunda, molda-se a encontrar progressivamente inóspita a agitação dos ambientes comuns. É natural que perca completamente essa expansividade, essa sociabilidade ordinariamente tida como “boas maneiras”. Estas, aliás, não podem senão causar-lhe repulsa e espanto. Tudo se resume a uma questão de hábitos: agrade-lhe ou não, são estes que definirão, com o tempo, aquilo que um homem é.

Para desenvolver-se espiritualmente…

Creio ter sido Paracelso a dizer que, para desenvolver-se espiritualmente, o homem deve passar, todos os dias, no mínimo meia hora recluso, em silêncio, e sem pensar em nada. Noutras palavras: o homem deve cultivar o hábito da meditação. É curioso que a recomendação venha de um ocidental que viveu num tempo em que não havia boas traduções dos textos orientais. Portanto, é de se presumir que Paracelso chegou a tais conclusões pela experiência, a mesma experiência indispensável para validar o que é ensinado há tantos séculos no oriente. Não há negar: a meditação, se praticada regularmente, prova-se indubitavelmente proveitosa. Com o tempo, é possível perceber ostensivas diferenças entre os dias em que se medita e os dias em que a prática é postergada. O exercício de estabelecer a própria vontade sobre a mente, isto é, o exercício de calá-la, anulá-la, controlá-la robustece sobremaneira não somente o autocontrole, mas a capacidade de escolher. Isso para não falar nas sensações provenientes do estado mental induzido pela meditação profunda, nas portas que se abrem pelo esforço contínuo. Enfim, o sábio alquimista sabia o que falava e foi, sem dúvida, um homem superior.

Se a mágoa e o caráter são verdadeiramente grandes

Se a mágoa e o caráter são verdadeiramente grandes, o resultado é o silêncio. Não se admite jamais que a língua articule palavra sobre a ferida: isso não é senão o respeito por si mesmo e pelo próprio passado. A mente, porém, que se vale da ética somente quando lhe é conveniente, cuida eternizar a mágoa por evocações regulares. E assim, não podendo freá-la, o espírito tem de acostumar-se a esta dupla realidade, sempre atento para não se trair permitindo que escape aquilo deve continuar encoberto. É preciso muito traquejo e paciência para lidar com essa área escura independente da vontade.

É impossível que um moralista não aparente amargo

É impossível que um moralista não aparente amargo a mentes comuns, porquanto amaríssimas são as conclusões a que chega quando contrapostos o senso moral que lhe pulsa à realidade mundana. O ser moralista necessariamente acarreta essa predisposição a observações desagradáveis. Todo o seu trabalho é um esforço para encarar e esmiuçar aquilo que uma mente comum evita; e se avança, não o faz senão pelo desejo de esclarecimento e pelo dever de sinceridade. É por isso que, se um dia enfim abranda, se as linhas lhe passam a exibir uma serenidade quase beatífica, merece a nossa admiração e reconhecimento: isso jamais se dará sem que tenha vencido os problemas sobre os quais se debruçou.