Temáticas atemporais

Particularmente, restrinjo-me a arte a temáticas que julgo atemporais. Isso, noutras palavras, quer dizer que recuso-me terminantemente a uma análise pormenorizada dos valores deste tempo, por não desejar infestar-me a literatura de uma moral tão torpe e desprezível. Farão bem no futuro se jamais derem atenção às correntes sociológico-morais que este século pariu, que não passam de ideologias vergonhosamente infames, lapsos estúpidos na história do pensamento humano.

A nobreza da filosofia especulativa

Foi Mário Ferreira dos Santos, e não outro, quem mostrou-me cabalmente a nobreza da filosofia especulativa, não porque até então só havia entrado em contato com brincalhões e vaidosos, mas porque nele, mais que nos outros, vi pulsar a necessidade real do exercício especulativo. Necessidade oriunda de interrogações vitais que encontraram neste método a possibilidade única de solução segura. A meticulosidade, o estender-se e esmiuçar saem não como exibição pretensiosa, mas como exigência metódica inerente da gravidade das interrogações. Como em Tomás de Aquino, digressões, demonstrações numerosas: mas tudo, sempre, objetivando clareza, objetivando a exposição precisa. Grande mente!

Raciocínio intragável

Sinto-me perfeitamente capaz de imaginar efeitos impressionantes provenientes das práticas tântricas budistas, que não são senão um processo de reeducação mental. Mas nem o budismo, nem qualquer outra escola oriental pode convencer-me do contrassenso de negar a realidade, não importa quão maravilhosos efeitos prometam com o fazê-lo. Compreendo os perigos de valorar sobre o erro, compreendo, sobretudo, a necessidade de romper com os laços terrenos; mas minha mente rechaça violentamente o considerar-me um nada em essência, envolto num nada desprovido de qualquer fundamentação: zeros e mais zeros, e nunca alguma coisa. Não! Há ilusões e posso distingui-las porque há, também, algo não ilusório. Há a mente e os produtos da mente, como há uma realidade exterior que se lhes difere. Lamento, lamento, mas não posso aceitar como fenômenos idênticos um soco na cara imaginário e um soco na cara real — e posso, quem diria!, provar o que digo.

Filosofias da afirmação e da negação, de Mário Ferreira dos Santos

Disse, se não em ato de coragem, ao menos de honestidade intelectual, que a obra máxima de Nagarjuna pareceu-me delirante. Parei por aí. E eis que agora, após cerca de dois meses, entro em contato com esta Filosofias da afirmação e da negação, deste enorme Mário Ferreira do Santos, que esmaga metodicamente cada uma das linhas de Nagarjuna que tanto me estranharam, e que não arrisquei aventar o porquê. Mário, nesta obra, deixa quem a lê na difícil situação de concordar ou assumir-se covarde, senão desonesto. Não há espaço para a neutralidade diante da argumentação demolidora que exige o assentimento respeitoso. Saem do debate arrasados o niilismo, o ceticismo, o relativismo, o idealismo, o evolucionismo… e é impressionante como assim Mário prepara o solo sobre o qual ergue sua filosofia positiva, dando-lhe a feição de imperiosa ante as correntes intelectuais em voga. É inegável: Mário Ferreira dos Santos é um fenômeno da mais alta categoria no pensamento ocidental.