O espírito inclinado ao apego

O espírito inclinado ao apego não está preparado para esta vida. Metodicamente, será forçado a engolir separações inevitáveis, que menos o instruirão por não provirem de uma decisão consciente. Será refém das circunstâncias e sofrerá sentindo-se ante elas impotente. É rara a capacidade de optar amiúde pelo rompimento: e só reservada àqueles que compreendem e aceitam que tudo, neste mundo, há de ter um fim.

É incrível quanto se distancia da realidade…

É incrível quanto se distancia da realidade o sujeito que se tranca numa universidade e emprega-se cem por cento em investigações acadêmicas. Se intelectual, desbarata-lhe a faculdade, empregando-a num mundo particular alheio à realidade. De resto, nem se queixa, pois exerce uma profissão: é como se aceitasse o preço. E nisto se perde a chama que incentiva o estudo porque vê nele a esperança de soluções para problemas de importância real. O intelectual necessita sofrer regularmente choques de realidade, para que insira realidade naquilo que pensa; caso contrário perde-se em futilidades e inutiliza o pensamento. Cioran, por exemplo, era mais filósofo cada vez que estourava ao comprar legumes no mercado e deixava que as consequências tomassem o formato de prosa francesa. Em resumo: o problema nunca foi isolar-se do mundo, e sim o abandonar por completo sua contundência deixando-se inundar da esterilidade das abstrações.

A tristeza manifesta-se, frutifica e perdura…

A tristeza manifesta-se, frutifica e perdura por quanto tempo durar o estado de paralisia consequente de uma situação adversa. Dando-se um passo adiante, isto é, movendo-se, é possível deixá-la para trás. A vitória se dá quando, em choque diante da adversidade, o espírito decide-se pela ação — ou, melhor dizendo, pela reação. É a individualidade se manifestando, respondendo o contratempo e, portanto, dando um novo sentido à situação vivenciada, que entristece por quanto tempo aparente senhora do ser.

Não seria justo comparar Hegel…

Não seria justo comparar Hegel a Heidegger. Se há semelhanças na forma, limitam-se à forma: Heidegger é, em meus dias benevolentes, o modelo inigualável de estelionatário intelectual. Hegel nada tem de impostor: seu defeito, a dizer a verdade, é essa mania alemã de querer esmiuçar tudo até o último detalhe, essa incapacidade para a síntese potente. É uma pena que a Fenomenologia do espírito seja três vezes maior do que deveria ser: mas nela há, sem dúvida, muitas páginas dignas de atenção.