Alguém como Nietzsche só pode ser apreciado por espíritos independentes; espíritos, se não afeitos ao pensamento original, suficientemente livres para despegar-se das correntes psicológicas e morais do seu tempo. Estes são raros, raríssimos, e por isso a irrupção de um Nietzsche dá-se como a explosão de uma bomba, gerando escândalo e repulsão em massa. O pensamento vigente é sempre ditado por mentes cativas de quinta categoria, mentes que se horrorizam diante do original. E o curioso é notar que o tempo, que tudo supera e tudo transforma, parece impotente para alterar esse distintivo de toda civilização.
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“Nenhum homem é uma ilha”
Alguém disse, sob aplausos, nenhum homem ser uma ilha. Muito bonito, muito bonito… Mas, infelizmente, a afirmação é falsa: há, sim, homens-ilha — e os mais diversos. É verdade: há no homem um impulso que o impele ao convívio; impulso, porém, que pode ser aniquilado com o tempo. Os anos passam, as personalidades se consolidam, os interesses mais separam do que unem — por vezes abrindo um vácuo intransponível entre o homem e o meio. Não é correto afirmar que há um senso de pertencimento comum a todos os homens, como não é correto supor que todo homem encontre afinidades. Assim, é natural que haja homens que se tornem ilhas, quer por força, quer por volição. Há aqueles que, por defesa, vestem uma máscara social — embora acessíveis, são em essência ilhas impenetráveis; — há, também, aqueles cujo aspecto exterior não abre espaço para dúvidas. Enfim, para não ser uma ilha basta não reprimir o naturalíssimo impulso gregário; mas essa, dado momento, é apenas uma das escolhas possíveis…
O budismo provavelmente acerta…
O budismo provavelmente acerta ao dizer que há estados conscientes pelos quais passamos antes do nascimento: a evidência disso é a manifestação lúcida de todos os bebês imediatamente após o primeiro suspiro. Se não nascem herdando a consciência de um estado prévio, pode ser que recém-nascidos sejam visionários, e com isso justifica-se o nascerem todos chorando, aos berros, desesperados, como enxergassem o princípio de uma senda de aflições e tormentos. Impressiona notar-lhes a sabedoria e o conhecimento desta terra. Contudo, em poucos anos de adestramento perdem completamente a lucidez…
O grande drama daquele cuja vida encerra um tormento existencial…
O grande drama daquele cuja vida encerra um tormento existencial é não haver para suas interrogações respostas válidas senão as que ele próprio valida. Como suportar? Adicione-se ceticismo à inquietação existencial, e tem-se o desespero certo. O cético tende a rejeitar as repostas possíveis para perguntas incômodas e não verificáveis: disso deriva seu infortúnio. Ele não pode aceitar o que diz a religião, o esoterismo, o misticismo; ele é programado para rechaçar aquilo que não experimentou. É possível abrir um livro de astrologia e encontrar respostas satisfatórias para tudo; é possível reconfortar-se na salvação cristã, no livramento budista — mas não para aquele que se recusa a acreditar. Toda inquietação existencial conduz a um dilema: credenciar pelo conforto aquilo que se recebe sem provas cabais, ou atirar-se em aflição sem limites. Alguns, como Pascal, adicionam à crença uma dose de raciocínio; outros parecem fadados à insatisfação.