Diz-se que Schopenhauer dormia com pistolas carregadas ao lado de sua cama. Seja vero ou não, a imagem é de uma precisão formidável. Aí está o raciocínio representado em suas virtudes e suas consequências! Que dizer? Schopenhauer, uma inteligência raríssima, pautando-se pelo que lhe ditava a vigorosa mente, não podia conter os efeitos colaterais de sua conduta racional. Dita o bom juízo ter sempre junto de si pistolas carregadas, como desconfiar da vida, dos outros, de tudo!, estando sempre em estado de alerta, temeroso e precavido, sabendo que a vida tende à morte, o sonho à desilusão, o desejo à frustração, a alegria à dor… As consequências, porém, acaso desaconselhem o bom juízo: como julgar acertada uma conduta que impossibilita um segundo de desleixo? Terrível, terrível… Pistolas carregadas ao lado do travesseiro! Viver como Schopenhauer é desarraigar a possibilidade da paz, fomentando um terror psicológico insuportável. Preferível ser uma anta e ter milhares de noites tranquilas antes que chegue a única noite fatal…
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A grandiosa loucura de Nietzsche
Embora o veneno de Schopenhauer já se tenha impregnado de forma absoluta em minha literatura, aprecio muito mais a grandiosa loucura de Nietzsche, que exige maior esforço de espírito e premia com honra os pouquíssimos capazes de alcançá-la. Superar o niilismo e inocular na mente um sonoro e definitivo “sim”, desprezar as agruras mesquinhas e efêmeras, transformar a existência numa rotunda exclamação, — ainda que seja necessário contrariar o racional: — tudo isso parece-me mais belo e mais digno de valor.
“Bravura é pelejar perdida guerra!”
Acabo de dar vida a um personagem que dá um nó no raciocínio e contorna um pessimismo terrível bradando: “Bravura é pelejar perdida guerra!”. Cá de fora do poema, diz-me a mente que “burrice” também encaixa perfeitamente na métrica e no ritmo. É verdade, mente, você tem razão… Mas é curioso como o raciocínio amiúde contrapõe-se à honra, exigindo esta uma conduta irracional. “Le cœur a ses raisons que la raison ne connaît point” — assinala lucidamente Pascal. E há vezes em que ser racional é, também, ser medíocre.
A tragédia do pensamento anarquista
A tragédia do pensamento anarquista é constatar que o homem comum não é digno da liberdade. É necessário freá-lo, puni-lo, submetê-lo a uma autoridade que o diga o que se pode e o que não se pode fazer. Partindo-se da premissa oposta, o resultado é o caos. Raríssimos são os merecedores da liberdade, os suficientemente maduros para arcar com suas consequências. Estes pagam por serem superiores… Mas como conceber um mundo onde o homem comum goze de liberdade plena? Não, não… de jeito nenhum! O mundo precisa de cadeias e polícia armada até os dentes.