O niilismo e o anarquismo partem de premissas compreensíveis e justificáveis. Contudo, como por uma atração incontrolável, acabam ambos tendendo para uma ação destrutiva injustificável ou, melhor dizendo, uma ação promotora de uma realidade pior. Levado a cabo, o niilismo é forçado a nivelar um assassino a alguém que não mata, — o contrário seria admitir uma hierarquia moral, — o que é uma efetiva maneira de produzir monstros. O anarquismo, quando entranhado na alma, não pode resultar senão numa réplica violenta a todo tipo de autoridade — destrói com eficiência, mas não parece capaz de erigir sobre os destroços algo melhor. Parecem ambos, o niilismo e o anarquismo, doutrinas fadadas a atirar a alma nas trevas e materializar obras terríveis — embora, a nível individual, possam ser paragens necessárias ao raciocínio e, se aliadas a uma natureza pacífica e contrária à ação, possam servir de alimento ao desenvolvimento intelectual.
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O capitalismo impôs uma filosofia comportamental…
O capitalismo impôs uma filosofia comportamental que exige do homem eficiência e profissionalismo no convívio diário. Diferente disso é anormal, repulsivo, contrário à ditadura vigente. Forçoso é responder e-mails, mensagens, retornar ligações, além de ter sempre e para todos o sorriso falso de um vendedor. Uma conduta calcada no interesse e na preocupação com a própria imagem — os outros, sempre os outros, os possíveis clientes de um indivíduo transformado em empresa. Disto a supressão da individualidade: a ação submete-se ao conveniente anulando a própria vontade. Praticamente, perde o ser o reconhecimento de si mesmo, e com isso a noção de importância e dignidade. Não parece haver solução que não parta de um cansaço completo, que se converte em indiferença e desprezo para com o mundo e origine um comportamento que horrorize o cidadão comum.
A paz é a neutralização conjunta da vontade e do sentimento
A paz é a neutralização conjunta da vontade e do sentimento. Como quer que se manifestem, são estes perturbadores do espírito, agitadores que desorientam e afastam o ser da saudável calmaria que configura a paz. Compreendê-lo é entender por que mesmo o júbilo é nocivo: grandes oscilações são indesejáveis quando se tenciona um estado perene e estável, que sirva de base para uma harmonia plena e possibilite um enfoque isento de distúrbios.
Uma proeza inigualável!
Pulo da filosofia para a astrologia, desta para a religião, e onde quer que eu esteja lá encontro palavras de despeito direcionadas a Voltaire. Impressionante! O que alcançou o filósofo de Ferney é uma proeza inigualável! Acabo de ler: “Voltaire, ce marveilleux ignorant, qui croyait savoir tant de choses, parce qu’il trouvait toujours le moyen de rire au lieu d’apprendre”. Como não simpatizar ou, antes, como não cair em gargalhada? Corre o tempo, e cada vez mais aumenta-me o conceito deste célebre filósofo que conseguiu irritar o mundo. Creio ter sido Nietzsche a ressaltar a sabedoria da postura filosófica de Voltaire, que acabava sempre por esticar um sorriso no rosto em vez de fritar o espírito levando a vida e a história tão a sério. Sorrir ante a estupidez humana: eis a raríssima virtude que Voltaire, mais do que ninguém, soube praticar.