A obsessão em raciocinar sob todos os ângulos possíveis é a morte…

A obsessão em raciocinar sob todos os ângulos possíveis é a morte do raciocínio: não há limites para o pensamento, os pontos de vista nunca se esgotam. Por isso qualquer tratado ou sistema que se pretenda completo está desde o princípio fadado ao fracasso. O raciocínio amplo exige a confrontação de proposições contrárias e, invariavelmente, anula-as uma a uma quando abordadas com isenção. Se alarga a obra, alarga aniquilando-se e mostrando-se cada vez mais falha. Para todo raciocínio válido há um raciocínio contrário igualmente válido. Se o pensador opta por abrangência, tem obrigatoriamente de abrir mão da assertividade — e, por conseguinte, da potência.

Moralmente o homem mede-se menos por suas afinidades…

Moralmente o homem mede-se menos por suas afinidades que por suas repulsas. Conhecemo-lo espreitando aquilo que rejeita ou, em outras palavras, aquilo que lhe contraria a índole. Menos dizem-lhe os amigos que os adversários, menos aquilo que faz do que aquilo que recusa peremptoriamente fazer. A moral simpatiza com cautela e rechaça com nervos em convulsão.

Erigir uma obra fragmentária

Ganha muito o pensador ao optar, como fizeram Nietzsche e Cioran, por erigir uma obra fragmentária. Largando mão do delírio presunçoso e contraprodutivo da unidade alcançável, isto é, da perfeição supostamente alcançável, o pensador pode concentrar-se em conferir precisão e potência a pequenos fragmentos. Além disso, é indiscutível a superioridade de uma coletânea de aforismos a um ensaio qualquer: deste quase nunca justifica-se a releitura; daquela, a inata multiplicidade torna impossível a assimilação completa de uma única vez. Mais ainda: construir em fragmentos torna possível o assentamento preciso dos díspares e complicados movimentos mentais, quando desenvolver e aprofundar um raciocínio unitário impõe certamente um limite — ou seja, obriga a mente a dispensar grande parte de suas manifestações.

Um homem honrado e ciente da própria dignidade

Um homem honrado e ciente da própria dignidade, se convencido educada e respeitosamente de que determinada ação é boa e justa, de bom grado a efetiva, agradecendo pelo conselho. Se, em contrapartida, este mesmo homem honrado é ordenado a executar determinada ação sob ameaça de castigo, reagirá por instinto, impelido pela própria honra, de forma contrária ao sujeito desrespeitoso que o ameaçou. Disto a conclusão natural: ordens e ameaças são ofensas a qualquer um que tenha senso de dignidade.