O drama de D. Pedro II é o drama de um Camões

D. Pedro II, este homem cuja vida encerra uma comovente tragédia, tragédia que acentuou-se sobremaneira após sua morte, não foi capaz de colocá-la em justa medida nos poucos versos que compôs. São versos fracos, quase inócuos para alguém que lhe desconheça a biografia. Mas alguém que a conheça, e imagine o estado de atrocíssima tristeza em que foram escritos, o desconsolo imensurável do homem cuja virtude foi paga com a mais revoltante injustiça às vésperas da morte, este alguém perdoará os defeitos estéticos e irá condoer-se sinceramente da miséria do autor. Mas aqui residem dois problemas morais que custa admitir: o primeiro, que a arte é indiferente à sinceridade do autor — em arte, o mais hábil poderá superar o mais sincero, ainda que a arte se lhe resuma numa falsificação completa de si mesmo; — o segundo, que pouco importa a elevação moral contida na obra, assim como o caráter daquilo que evoca. É lamentável… O drama de D. Pedro II é o drama de um Camões, mas de um Camões injustiçado em vida e não recompensado pela história, essa maldita insensível em que foram depositadas as últimas esperanças da nobre alma corroída pelo desgosto. Seria diferente, fossem melhores os versos? Quão inútil respondê-lo…

É realmente impressionante como os anos…

É realmente impressionante como os anos, que não parecem nada, que passam imperceptivelmente, desfiguram a realidade até um ponto em que não sobra um único resquício do que um dia foi. Tão próximos um século do outro, e por vezes díspares a ponto de não se reconhecerem. Será tomado de espanto aquele que fizer uma análise minuciosa dos costumes de épocas passadas, em medida idêntica à que resultaria se alguém do passado pudesse vislumbrar o futuro. Em ambos os casos, um misto de estranhamento, repulsa, incompreensão e assombro. Assombro porque, em teoria, a espécie humana sempre foi constituída de homens. Porém, para a sociologia, é possível descrever homens de diferentes tempos como espécies distintas.

A biografia de Inácio de Loyola

Parece fictícia a biografia de Inácio de Loyola. Lê-la neste século, lê-la no ocidente observando que se tornou o ocidente, suas grandes cidades, suas preocupações, é como colocar-se diante de uma narrativa absurda. É de causar assombro a simplicidade como fatos estupefacientes se apresentam nesta “Autobiografia”, redigida pelo P. Luís Gonçalves da Câmara, que limitou-se a transcrever quanto ouviu da boca de Inácio. Algumas poucas vezes, lemos Inácio ter corrido risco de vida em sua trajetória, mas a impressão que ficamos é que, desde que saiu da casa paterna, esteve ele sempre em constante ameaça. Prisões, julgamentos, perseguições, doenças, incrível penúria… é difícil imaginar condições mais severas para este homem reputado santo. O simples superar a sexta década de vida, como fê-lo, já se afigura a nós, homens mal-acostumados, um verdadeiro milagre.

“Heróis” dignos de desprezo

A maneira como, em Guerra e paz, Tolstói repetidamente desdenha do “gênio militar” que deixou a Rússia destruído e de todos os seus vis admiradores é uma mostra acachapante de sua nobreza e altivez moral. O desserviço que prestam historiadores idolatrando loucos assassinos, escravos das ambições mais abjetas que fizeram da carne humana o trampolim para seus anseios mesquinhos, apresentando-os como criaturas superiores e modelos de virtude é digno de repulsa total. Tais historiadores, lambedores de botas medíocres, frequentemente encontram o admirável em tarados responsáveis por carnificinas espantosas, e o narram com a pompa de um patriotismo vestido de honra — mas são os mesmos que, em vida, vendem a honra por um elogio público e imploram de joelhos por aceitação.