Entre todas as línguas do mundo, parece a inglesa a mais enganosa, posto que é aprendida com uma facilidade que falsifica totalmente a sua real dimensão. O turista que aprendeu a pedir um café no aeroporto crê dominá-la; mas se, por acaso, arrisca-se a ler um romance de Dickens, ou um poema de Milton, de Byron, de Chaucer, percebe em poucas linhas não saber nada da língua que aprendeu. E o curioso é que, sintaticamente, o inglês é sempre o mesmo: a estrutura dos períodos nunca complica demasiado a sua compreensão. Mas o inglês literário é um calabouço no qual o estrangeiro entra sempre sem lanterna. As palavras, as expressões infinitas, obscuras e intraduzíveis, são como assombrações. É preciso muita coragem para percebê-lo e encará-la enquanto escritor.
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A maior prova da inadaptação do homem…
A maior prova da inadaptação do homem ao mundo e de sua incapacidade de compreender as escalas da realidade é que praticamente todas as línguas não diferenciam o verbo ser do verbo estar. Um verdadeiro escândalo, posto que ser e estar, ou melhor, aquilo que está e aquilo que é sejam coisas radicalmente distintas. Confundi-las é um erro de percepção tão óbvio e tão gritante que faltam palavras para descrevê-lo. Confundi-las é confundir, em suma, o imutável com o mutável, a permanência com a efemeridade, o que é e o que não é.
A riqueza fônica e sintática do português
A riqueza fônica e sintática do português, mais do que a índole de seu povo ou o estro de seus autores, coloca-lhe a poesia entre as mais notáveis da literatura mundial. Como veículo de expressão do primitivo impulso representado pela poesia, suas possibilidades são tão variadas e de efeitos tão singulares que, ainda que trabalhada por mãos ordinárias, por vezes alcança resultados dignos de sincera admiração.
“O ordálio mais tremendo”
É sem dúvida impressionante que Carpeaux tenha dito, em entrevista, considerar o fato de ter aprendido “mais ou menos” a língua portuguesa “o ordálio mais tremendo a que a vida me submeteu”. Quer dizer: tal foi dito por um eruditíssimo poliglota, versado em praticamente todas as línguas europeias: algo que evidencia a imensa barreira que há entre estas e o português. Credita Carpeaux ao seu conhecimento de latim o conseguir adaptar-se ao novo idioma, e disso se pode inferir que a sintaxe vernácula apresenta complicações terríveis a um moderno não versado nas línguas antigas. E além disso, a prosódia, os indomáveis e imprevisíveis fonemas, a ortografia confusa, e por aí vai. A dizer a verdade, talvez seja algo assaz positivo o ter-se em português preservado grande parte do brilho da sintaxe latina; contudo, não se pode negar que o correr dos séculos demonstra que o português, ao contrário das demais línguas europeias, afastou-se em vez de aproximar.