A maior prova da inadaptação do homem…

A maior prova da inadaptação do homem ao mundo e de sua incapacidade de compreender as escalas da realidade é que praticamente todas as línguas não diferenciam o verbo ser do verbo estar. Um verdadeiro escândalo, posto que ser e estar, ou melhor, aquilo que está e aquilo que é sejam coisas radicalmente distintas. Confundi-las é um erro de percepção tão óbvio e tão gritante que faltam palavras para descrevê-lo. Confundi-las é confundir, em suma, o imutável com o mutável, a permanência com a efemeridade, o que é e o que não é.

A riqueza fônica e sintática do português

A riqueza fônica e sintática do português, mais do que a índole de seu povo ou o estro de seus autores, coloca-lhe a poesia entre as mais notáveis da literatura mundial. Como veículo de expressão do primitivo impulso representado pela poesia, suas possibilidades são tão variadas e de efeitos tão singulares que, ainda que trabalhada por mãos ordinárias, por vezes alcança resultados dignos de sincera admiração.

“O ordálio mais tremendo”

É sem dúvida impressionante que Carpeaux tenha dito, em entrevista, considerar o fato de ter aprendido “mais ou menos” a língua portuguesa “o ordálio mais tremendo a que a vida me submeteu”. Quer dizer: tal foi dito por um eruditíssimo poliglota, versado em praticamente todas as línguas europeias: algo que evidencia a imensa barreira que há entre estas e o português. Credita Carpeaux ao seu conhecimento de latim o conseguir adaptar-se ao novo idioma, e disso se pode inferir que a sintaxe vernácula apresenta complicações terríveis a um moderno não versado nas línguas antigas. E além disso, a prosódia, os indomáveis e imprevisíveis fonemas, a ortografia confusa, e por aí vai. A dizer a verdade, talvez seja algo assaz positivo o ter-se em português preservado grande parte do brilho da sintaxe latina; contudo, não se pode negar que o correr dos séculos demonstra que o português, ao contrário das demais línguas europeias, afastou-se em vez de aproximar.

As inumeráveis facilidades que estão hoje disponíveis…

Há uma certa ironia no fato de que as inumeráveis facilidades que estão hoje disponíveis para o aprendizado de todas as línguas imagináveis são insuficientes para que se possa compreendê-las em profundidade, posto que, após um certo nível, compreendê-las é compreender suas dificuldades. Quer dizer: os inumeráveis e valiosos incentivos ao aprendizado dificilmente permitem que o estudante ultrapasse a superfície do idioma estudado; caso queira fazê-lo, o que tem é justamente de abandoná-los e encarar o difícil, valendo-se dos processos mais arcaicos, conquanto comprovadamente essenciais. Não há saída: chega um momento em que é preciso deixar de lado as brincadeiras e afundar nos dificílimos originais.