Democracia, um romance americano, de Henry Adams

Primeiro, o professor. Palavras de Otto Maria Carpeaux sobre Henry Adams:

Enfim, Henry Adams, o último, volta para a pátria, e já não a reconhece, esse país de milionários incultos e políticos corruptos que se servem de slogans democráticos para explorar as massas amorfas. A primeira reação de Henry Adams foi o romance Democracy, publicado sob anonimato; panfleto que poderia ser igualmente interpretado como pré-marxista ou pré-fascista. Mas Henry Adams não foi e nunca será homem das decisões práticas. É observador. Escreveu a história dos Estados Unidos na época de Jefferson e Madison, para descobrir na raiz as causas dos males. É historiografia puramente política e administrativa. Assim como os seus personagens parecem menos inteligentes do que são, Henry Adams, muito bem educado, sabia dissimular na companhia dos seus pares a desilusão profunda de um poeta, preferindo parecer um pesquisador de arquivos. Ao lado da torre de Babel dos negócios de trustes e da política imperialista, Adams construiu a sua torre particular que parecia a de um parnasiano. Aconteceu que a torre de Henry Adams se levantou tão alta e até mais alta do que os arranha-céus de Nova Iorque; e do alto dela abriu-se um panorama tão vasto da história humana que o Oceano Atlântico lá embaixo desapareceu como se fosse um lago insignificante, e do outro lado apareceu a Europa que os seus antepassados puritanos tinham deixado, e no fim do horizonte outras torres, as das catedrais góticas, monumentos de uma civilização de harmonia entre a arte e a religião, negada aos filhos da América. Em visão apocalíptica, Adams viu os arranha-céus americanos condenados a tornar-se, um dia, ruínas de uma civilização feia e falsa.

Lá vão algumas linhas sobre esse tema detestável: a política. Detestável e simplíssimo: para entender de política, basta uma consulta aos moralistas franceses ou ao filósofo florentino. O sujeito que entende de natureza humana compreende facilmente a política; o sujeito versado em filosofia política, geralmente, não faz ideia do que seja a política. E Henry Adams, com efeito, entende do assunto: em Democracia, um romance americano, penetra o psicológico de políticos democráticos, desvelando-nos o que é uma democracia. Madeleine Lee, a protagonista, decide mover-se a Washington após perder o marido. O objetivo: conhecer, a fundo, o regime democrático americano. Madeleine delibera dedicar o resto de seus dias para obter a resposta: a democracia é virtuosa, quando em comparação a outros regimes? seria a América a representação do progresso? Então conhece Silas P. Ratcliffe, senador que almeja e apresenta-se apto à presidência: em suma, um grande político. Perguntarão: “Um grande político de qual vertente ideológica?”. Mas aí está o que Henry Adams nos ensina: “ideologia”, em política, não é senão uma ferramenta de marketing e é efetiva como indutora da ação política somente enquanto aparato de manipulação das massas. O que move a política é a vaidade, o interesse, o orgulho e a ambição. Política é sobre poder, sobre exercê-lo e desejá-lo acima de todas as coisas. Não há virtude, nem vício, nem boas ou más intenções nessa ciência: existem ferramentas que contribuem para a construção de uma imagem, ferramentas que conduzem ao poder. E o grande senador Ratcliffe mostra-nos o que é um político profissional: é o modelo humano degenerado, amputado da consciência e escravo da ambição. Vive um teatro interminável, mente até ao espelho, tem a própria imagem acima da própria autonomia, existe em função de um dever de ascensão. Todas as relações pessoais de um político, até as mais íntimas, exercem um papel dentro de um projeto de poder, toda a existência é-lhe moldada em redor de um desejo insaciável, ignorado pelos mais estúpidos e perfeitamente compreendido pelos que se orgulham de ser vassalos do próprio ego. Respeitado por muitos, o político regozija-se, sente-se importante. E que faz a democracia, senão validar-lhe a conceituação que tem de si mesmo? O ocupante de um cargo democrático tem-lhe pregado ao nome o selo da aprovação popular; o juízo lhe não é demasiado absurdo quando se acha superior aos demais e à moral, “for democracy, rightly understood, is the government of the people, by the people, for the benefit of Senators“. Na democracia, o vício é amparado pelo regime, e o regime apresenta-se como a vontade geral. Doce ilusão de progresso… Belo engodo dizer que, na democracia, o regime é blindado contra os abusos da ambição humana, que é virtuoso porque descentralizado e melhor que os outros porque criado a conter-lhes os defeitos. Democracia, um romance americano é a imagem da desilusão de alguém que, sinceramente, desejou conhecer a fundo esse regime: “she had got to the bottom of this business of democratic government, and found out that it was nothing more than government of any other kind“. E terminou sequiosa das pirâmides do Egito…

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De súbito, o pensar ela penetra…

De súbito, o pensar ela penetra,
Abafa a voz interna em seu ruído,
E a confusão mental ela perpetra…
Sê forte pobre espírito oprimido!

Pois dá-se por concentração o esforço,
O cérebro a si mesmo apela, incita,
Mas ela faz talar qualquer reforço,
Invade e estoura em mente essa maldita!

Pois, camarada, escuta: é impossível!
Sempre qu’em algo fores concentrar-te
Verás ela irromper, cheia e audível!

Na Terra seja, em Júpiter ou Marte,
Onde estiveres, a infernal emana;
Ela atribula sempre: a voz humana!

(Este poema está disponível em Versos)

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Na vida cada sonho é uma miragem…

Na vida cada sonho é uma miragem
Irrealizável para além da mente;
Não se afligir é pôr-se, enfim, consciente
Que a cova é do futuro a suma imagem.

Maturidade em vida é ter coragem
A olhar nos olhos o vulgar presente;
Melhor o quieto, o triste, o que não mente
A si, e entende da vida a mensagem.

Aguarda-nos a todos uma tumba
Velada na necrópole do olvido,
Onde o silêncio é o eco que retumba

E a permanência eterna é obrigatória.
Nem mesmo o probo, o bom, sabe o vivido,
Terá na terra a mínima memória…

(Este poema está disponível em Versos)

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Exigências da formação intelectual

A formação intelectual exige, fundamentalmente, duas tarefas: estudar os grandes autores, e estudar autores com visões de mundo radicalmente conflitantes. De início, o óbvio: é questão de respeito à própria inteligência brindar-se com os grandes. Os clássicos devem ser lidos, estudados, absorvidos, integrados à personalidade de quem se pretenda intelectual. Então, com a base assentada, é possível almejar evolução. O passo seguinte é transformar a mente num violento campo de batalha. O intelectual precisa, necessariamente, do conflito, do choque de ideias: só assim é possível progredir. Ler autores conflitantes é entender a complexidade da vida, as variações nos mecanismos de percepção, é reconhecer e aceitar o ambíguo. Mais: conversar com mentes díspares, se sinceramente, não só alarga o conhecimento como impõe a humildade, escancara méritos onde dizem não havê-los, em suma, engrandece. Por isso é forçoso conviver, lidar com opostos, abandonar prejulgamentos, libertar-se das correntes do pensamento. O caminho contrário é repetir o conveniente, denegar as contradições e jamais evoluir. Deixar que as ideias rebentem livremente é deixá-las, à força, arrastar a mente à inteligência.

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