Um brasileiro só pode mirar com um sorriso toda essa exaltação de séculos feira às belezas, às flores e às cores desta tal primavera. A primavera representa, no Brasil, a chegada de um calor intolerável e uma infestação súbita de insetos. Representa, também, o adeus ao friozinho que só fazia reforçar a crença de que Deus é verdadeiramente e sempre bom. No Brasil, primavera é o nome que se dá para a união entre mosquitos, formigas, abelhas, grilos, vespas, baratas e todas as demais variações do mesmo estorvo que a imaginação divina foi capaz de conceber, que invadem simultaneamente os ambientes enquanto tentamos expulsá-las em transpiração intensa, respirando um ar abafado e com a sensação de que a substância da pele está a evaporar. A primavera, enfim, chega para lembrar-nos o quanto a detestamos.
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O início
Parece o resultado de todo projeto artístico fundamentalmente dependente do entusiasmo e do vigor com que é iniciado. O espírito com que se lhe impregna esta arrancada é-lhe determinante. Para um mau começo, pois, ou um começo débil, não há muito o que se fazer, enquanto um começo vigoroso se pode estender pelo trabalho braçal e pela simples disciplina. Por isso é tão importante que se faça a ideação separadamente, num momento que preceda o executá-la. Assim, pode-se aproveitar do insuperável estímulo daqueles momentos em que a ideia se mostra pronta e parece a explodir.
O trabalho criativo
O trabalho criativo depende, essencialmente, de duas coisas: (1) da capacidade de estimular, permitir e apreender novas ideias e (2) da capacidade de aproveitá-las. No primeiro caso, temos, sumariamente, o esforço intelectual e a atenção, qualidades que, ainda que não intencionalmente, são incitadas pelo simples querer criar. Já no segundo, dá-se algo mais custoso, e talvez a maior diferença entre o artista fecundo e o infecundo resida justamente nisso: na capacidade de concretizar as ideias que têm, não deixando que elas se percam e se vão tão naturalmente como vieram. Tal capacidade é, simplesmente, a capacidade de agir. Disso se nota que o trabalho criativo, para que efetivo, exige não somente as ideias, o concebê-las e o captá-las, — algo que se pode fazer sem esforço; — mas requer um estado mental que se resume numa prontidão permanente para a ação.
Por melhores que sejam os poemas curtos…
Por melhores que sejam os poemas curtos, e por mais afeiçoada que se lhes seja a mente moderna, são eles, isoladamente, incapazes do grande efeito poético. Este somente se alcança quando a mente atinge um grau de êxtase que exige, primeiro, uma absorção completa e, segundo, um determinado número de versos. Quer dizer: é preciso que a mente se imerja na atmosfera poética que a conduzirá no movimento de ascensão. Então, verso a verso, a concentração aumenta, os estímulos se intensificam e o grande efeito, desde já, vai sendo construído. Em resumo: para que o pico impressione, é preciso precedê-lo da escalada.