É verdade que, ao abordar qualquer tema, o escritor poderá torná-lo interessante dando-lhe profundidade ou, melhor dizendo, mostrando-se como um especialista no assunto. Porém, há um limite que, se ultrapassado, torna o texto maçante a um nível insuportável. O tecnicismo, em literatura, é tragável somente enquanto reforça a peculiaridade da expressão que dele independe; o mais das vezes o que faz é tornar as linhas insípidas para o desconhecedor da área abordada. Lamentavelmente, é um erro difícil de evitar para aquele que dedicou-se com afinco a determinado tema e decide dramatizá-lo. Mas é bom ter em mente que não se produz grande literatura para especialistas porque, afinal de contas, dificilmente chamamos de especialista aquele que o é no essencial.
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É estranho notar a absoluta irracionalidade…
É estranho notar a absoluta irracionalidade deste dever que é frequentemente o inesgotável e mais potente combustível na trajetória de grandes escritores. Quando perguntados sobre a razão de tanto esforço e tanta aflição, não parece suficiente, e sequer crível a resposta do “eu tenho de fazer”. Uma vida inteira, então, justificada por algo inexplicável… isso é, sem dúvida, algo aparentemente frágil; e, no entanto, assim é.
Dedicar-se a sapatos
A vantagem do intelectual que, como Boehme, dedique-se a sapatos durante o dia é escrever aquilo que quiser, quando quiser e como quiser, lendo também aquilo que quiser por quanto tempo quiser, e publicando aquilo que escreveu somente se quiser. Em suma: a liberdade. Não é preciso envolver-se em polêmicas, agradar ou submeter-se a editores e outros escritores, nem lidar com leitores-clientes, nem nada. Há sapatos que servirão sempre como alforria intelectual. Nada há que pague essa autossuficiência e essa despreocupação. Liberdade, enfim, é sempre dignidade.
Diversão e sorte
É divertido imaginar Fernando Pessoa a pegar um guardanapo num boteco, rabiscar algumas linhas num garrancho quase ilegível e atirá-lo, aos risos, ao seu grande baú. E passar a vida rindo ao repetir infinitas vezes a mesma cena, imaginando o trabalho monstruoso que estaria delegando a homens que sequer conheceu. Deixar, pois, uma papelada gigantesca e desorganizada, e que se virem os editores! É algo sem dúvida divertido e tentador. Contudo, Pessoa, que admiravelmente transformou a desorganização em método, teve a sorte, primeiro, de encontrar editores, e, segundo, de encontrá-los competentes. Alguém que se arrisque a seguir-lhe o exemplo deve, portanto, ter muita fé, além de desenvolver essa invejável capacidade de defrontar uma bagunça aceitando-a como aquilo que dedicou a vida a produzir.