A liberdade na disciplina

Auguste Dorchain, em L’art des vers, definiu admiravelmente o encanto proporcionado pela poesia: “la surprise dans la sécurité”, “la variété dans l’unité”, “la liberté dans la discipline”. É o equilíbrio entre tais contrastes que nos dão uma sensação de prazer ao percorrer uma obra poética. Sem a segurança, a unidade, a disciplina, não nos parece o conjunto harmonioso; sem a surpresa, a variedade, a liberdade, ele não nos parece estimulante. Assim, é justo que um poeta defina quais elementos representarão as primeiras qualidades, e quais as segundas em seu poema. É balanceando-as que se constrói um todo bem-feito, ainda que se penda mais para o efeito mais desejado. Embora seja compreensível o anseio por liberdade que inspirou poetas do passado, embora muitas inovações renovaram e engrandeceram admiravelmente a arte poética, parece uma depreciação da arte o aceitá-la executada de qualquer jeito, como se fosse premiada com elogios a música de um leigo que tocasse desordenadamente um instrumento musical.

Regularidade e dinamismo

Saltamos da teoria poética inglesa para a portuguesa e observamos um contraste. Em inglês, valoriza-se a regularidade rítmica, quando parece teóricos portugueses concordarem que a variedade confere dinamismo aos poemas e, portanto, é preferível, para evitar a “monotonia”. O curioso é não suspeitarem estes últimos que não há ritmo sem regularidade e acabarem, fatalmente, elogiando o ritmo de poemas que não têm. Qualquer frase proferida em qualquer língua terá uma entonação, ou uma “cadência” própria quando analisada individualmente. A poesia, porém, dispõe frases de maneira que entre elas haja um elo harmônico, elo este determinado pelo ritmo. Se, de um verso para o outro, altera-se tudo, não pode haver ritmo na composição, a menos que se faça um uso criativo e não musical desta palavra.

Novamente Antero…

É impressionante como fui capaz de enxergar Antero através de seus versos. Leio-lhe uma biografia, e uma infinidade de fatos não descritos assomam-se a mim como óbvios — fatos que acabo confirmando na pena de outros biógrafos. Assim, compreendo-o inteira e perfeitamente, desde os tormentos íntimos à conduta; e se um Eça diz-lhe a convivência “fugidia”, embora “consoladora”, já sei os motivos, já deduzo o mistério que esconde essa postura aparentemente contraditória. Sei como Antero se sentia, e sei como lhe era pesado um fardo do qual não podia falar. É comovente vê-lo descrito por Eça, ver como impôs uma vitória esmagadora sobre seus conflitos interiores através de sua personalidade. E, finalmente…

O templo da glória literária

Segundo Schopenhauer, saiu da pena de d’Alembert esta virtuosíssima reflexão sobre o “templo da glória literária”:

L’intérieur du temple n’est habité que par des morts qui n’y étaient pas de leur vivant, et par quelques vivants que l’on met à la porte, pour la plupart, dès qu’ils sont morts.

Que coisa! E pior é notar raríssimas as exceções a essa regra. A conclusão mais evidente é aquela de Cioran, Valéry, Volaire, de ser o sucesso uma verdadeira desgraça ao artista. Porém, quando indagamos o porquê de tal dedução, somos levados a admitir que nada há de mais benéfico, senão essencial ao artista que uma mistura entre fracasso e solidão. Que lhe seja o isolamento produtivo é facilmente compreensível; mas o fracasso? o passar a vida preterido, senão repudiado? E notar que é o que se passou na esmagadora maioria das vezes com aqueles que se eternizaram no templo de d’Alembert.