O papel da criatividade numa obra é simplesmente direcionar o esforço. Este, e não aquela, é que fará com que a obra se concretize. Naturalmente uma obra em que a primeira não brilhe parecerá fraca: mas ainda assim é uma obra concretizada, algo que nunca terá aquele que idealize o papel da criatividade julgando-a capaz de materializar-se desprovida de um trabalho maçante. Estimula-se o cérebro e este aponta caminhos: o percorrê-los, porém, é feito pelas pernas.
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São indescritíveis estes momentos…
São indescritíveis estes momentos em que a mente deflagra semanas de trabalho criativo num único rompante. É incrível como as ideias brilham com clareza e vão se amontoando rapidamente em frases, que se tornam páginas, até um ponto em que cessam não por se haverem esgotado, mas para que os olhos possam admirar, incrédulos, o quão produtiva foi a sessão de trabalho. Tudo impressiona, desde a espontaneidade à abundância da manifestação, que se dá sem que o espírito pareça se esforçar como de hábito, e consequentemente se dá e não gera cansaço. Alguns artistas já disseram que tal experiência assemelha-se a um estado de semilucidez, em que como uma força alheia ao próprio controle parece fazer o trabalho. Talvez semilucidez não seja o termo mais apropriado, visto que em tais momentos dá-se uma sensação pulsante de epifania, e a mente parece lúcida e límpida como nunca esteve. E então, por raros que são, é aproveitá-los ao máximo, alegrando-se por quanto durem e sabendo que nem sempre eles estarão à disposição…
A representação da realidade
A representação da realidade parece mesmo o exercício literário essencial; quer dizer, deixando de lado as teorias estéticas, simplesmente transformar em literatura a experiência ou a observação. Com o tempo, ficam evidentes os limites que a própria realidade oferece, e então o artista poderá optar por dar um passo adiante. É curioso observar que as obras mais altas são frequentemente originárias desta motivação: alcançar pela arte aquilo que a realidade não permite. Parece haver, nos artistas tomados por esta obsessão, um ponto na vida em que a realidade se esgota, ou no mínimo torna-se insuficiente. Daí que todo o treinamento prévio é empregado a tornar a criação mental uma realidade literária tão patente quanto aquela motivada pela experiência direta. E ver que, em muitos casos, a primeira ainda consegue se sobressair.
O que há de mais caro
Ao artista, assim como as experiências lhe são úteis à medida que lhe influenciam a obra, é errôneo lhes querer julgar a importância como se faria de praxe com um homem comum. Seja a arte tida como a representação da realidade ou a criação de uma realidade alternativa, nela o artista porá aquilo que realmente lhe importa, aquilo que, transformado em arte, representa-lhe o que há de mais caro e digno desta cristalização. Portanto, será quase sempre absurdo querer enxergar como determinante no artista algo que sua própria obra recusa-se a nos dizer.