Em tônicas sequenciais…

Em tônicas sequenciais, algo quase sempre de sonoridade desagradável em poesia, dá-se uma escalada de acentuação que, enfraquecendo o primeiro acento, tonifica o segundo. Poder-se-ia dizer que, desta maneira, gera-se artificialmente no verso uma acentuação mais forte que a de uma sílaba tônica comum: portanto, uma átona escala para uma acentuada que escala para outra mais acentuada. De maneira inversa, é possível gerar um movimento de acentuação artificialmente decrescente nalguns casos quando, trabalhando versos binários, insere-se um vocábulo esdrúxulo cuja última sílaba ocupa uma posição onde deveria haver acento; o efeito é oposto: esta última sílaba, embora não seja, parece menos acentuada que a anterior, graças à ressonância da primeira, que assim aparenta mais forte que normalmente seria. Ambos procedimentos, se utilizados com inteligência, podem suscitar efeitos interessantes.

E notável a quantidade de escritores que romperam…

E notável a quantidade de escritores, grandes escritores, que romperam com o idioma materno no último século. Parece este ter sido o século dos desterrados. Boa parte deles expatriaram-se em decorrência das guerras, mas houve vários que o fizeram livres de estímulo exterior. Disso, a decisão mais ou menos natural do rompimento. Curioso: é improvável que o prazer ou, talvez, o fascínio de escrever em língua estrangeira dure mais de dois ou três parágrafos; logo se desvela o trabalho penosíssimo que se há de fazer ante o dicionário. Mas ainda assim, prosseguiram eles, acaso com uma força de vontade que mereça admiração dobrada. E que dizer dos poetas? Estes, certamente eximiram-se do purgatório… E a tendência, parece-me, não se foi com o século, com a diferença que, agora, parecem todos elegerem a mesma opção. Que concluir?

Os distúrbios rítmicos

Os distúrbios rítmicos, se utilizados proposital e inteligentemente, parecem de efeito enfático superior a quase tudo quanto se pode fazer em poesia. Tônicas sequenciais, antecipação do primeiro acento do verso, deslocamento da tônica principal, palavras proparoxítonas perturbando versos de padrão binário… esses e outros detalhes, quando incidem sobre uma aparente estabilidade rítmica, causam um efeito poderoso, que sugere do arroubo ao desespero, manifestações típicas de um rompimento harmônico que impele a expressão intempestiva. A técnica, embora possa ser confundida com o erro por incautos, não será jamais por aqueles que sentem o verso enquanto o leem: o erro danifica, jamais fortalece a expressão. De resto, é uma notável qualidade dos padrões que eles permitem que sejam conscientemente violados.

Não é justo exigir de um quadrúpede a compreensão de um Antero

Li, ou melhor, tentei ler uma análise biográfica de Antero assinada por um psicanalista e julguei-a tão infame, tão assustadoramente estúpida e fajuta, que me senti tentado a rebatê-la num manifesto furioso, já que não posso insultar pessoalmente o autor. Incrível! Quer o imbecil creditar à infância a resolução de um homem com meio século de vida! Toda a “análise” se lhe resume a calúnias revoltantes, a pintar um nobilíssimo espírito como um escravo inerte. Repenso, porém, e desisto da empreitada, por absolutamente inútil. De que valeria gastar-me o tempo a provar um psicanalista raso e parvo? provar que a ofensa começa num ser desta estirpe, limitado por tal viseira, colocar-se a vomitar palpites sobre a vida de um homem superior? Que outra coisa poderia ele escrever, afinal, posto o calar-se ser-lhe impossível? E não é justo exigir de um quadrúpede a compreensão de um Antero. O melhor, sem dúvida, é que eu mesmo dê o exemplo: fecho o ensaio, calado, e finjo que ele nunca existiu.