Pensando friamente, é dúbio o julgamento de Pound de que grandes artistas sempre sobrevivem e sempre sobreviverão. Embora o tempo frequentemente opere correções na fortuna de muitos autores, é difícil concluir que seja ele justiceiro infalível. Basta pensar no número de obras perdidas da Antiguidade — uma objeção assaz contundente. Mas é possível pensar, também, nos artistas jamais contemplados: quantos seriam?… Somos forçados a admitir que a sorte, esta sim, é sempre determinante.
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A literatura é uma resposta
Outra de Pavese: “La letteratura è una difesa contro le offese della vita” — acrescento: não somente uma defesa, mas uma resposta. Talvez por não tê-lo enxergado e, dado momento, julgado a defesa inútil, Pavese recorreu ao suicídio. O suicídio só serve de afirmação para o artista que, por um momento, perde completamente a esperança na arte. Pavese, matando-se, renunciou ao próprio gênio, à possibilidade de gravar em literatura a singularidade de sua experiência; assumiu, enfim, a inutilidade da arte, a sua incapacidade de sobrepujar a vida preenchendo-a, simultaneamente, de sentido. Em suma, é esse o juízo que legou-nos o poeta.
“Heróis” dignos de desprezo
A maneira como, em Guerra e paz, Tolstói repetidamente desdenha do “gênio militar” que deixou a Rússia destruído e de todos os seus vis admiradores é uma mostra acachapante de sua nobreza e altivez moral. O desserviço que prestam historiadores idolatrando loucos assassinos, escravos das ambições mais abjetas que fizeram da carne humana o trampolim para seus anseios mesquinhos, apresentando-os como criaturas superiores e modelos de virtude é digno de repulsa total. Tais historiadores, lambedores de botas medíocres, frequentemente encontram o admirável em tarados responsáveis por carnificinas espantosas, e o narram com a pompa de um patriotismo vestido de honra — mas são os mesmos que, em vida, vendem a honra por um elogio público e imploram de joelhos por aceitação.
Il mestiere de vivere, de Cesare Pavese
Deus! Quanta vida nestas linhas! Contudo… É lamentável. Um espírito notável digladiando-se, corroendo-se e esmorecendo em meio a anseios de quinta categoria. Turvado por paixões, que lhe desviam o foco e sugam-lhe a energia, Cesare Pavese expõe, neste diário intitulado Il mestiere de vivere, um conflito interior atrocíssimo que desperta, ao mesmo tempo, empatia e pena. Tormentos terríveis, terríveis; e os motivos… injustificáveis, indignos da estirpe do poeta. Numa nota, a prudência: “maturità è l’isolamento che basta a se stesso”, pouco depois, a recaída: “la massima sventura è la solitudine” — manifestações de um espírito que sucumbiu às fraquezas da raça. Pena, muita pena…