A crise da meia-idade

Muitos psicólogos colocam demasiada ênfase nos aspectos saudosistas da chamada “crise da meia-idade”. Não lhes nego a importância, mas creio configurarem tão somente a manifestação banal de um problema que pode ser muito mais profundo. Meia-idade geralmente denota encarar o fracasso, ver enterrado aquilo que um dia se chamou de “sonho”. Noutros casos, em casos de “sucesso”, caracteriza o período onde se escancara a inutilidade das próprias conquistas, a estupidez da vida cotidiana e a falta de ânimo para avançar. Tudo isso em razão de uma frustração quanto ao presente e não de um desejo de reviver o passado. Aos vinte, a vida é interessante porque promissora, porque repleta de “perspectivas” que o tempo cuida eclipsar. O indivíduo, então, depara-se imerso num vácuo. Em última instância, a meia-idade não faz senão lhe evidenciar a falta de sentido da existência. Mas faz, também, com que ele abra os olhos e raciocine, e se há algo que podemos chamar de “maturidade”, esta geralmente exige o que a psicologia clínica chama de “depressão”. O depressivo testemunha a própria sanidade mental.

O risco de não enxergar o óbvio

A mente analítica, conquanto dotada de grande talento em dar profundidade ao objeto analisado, esmiuçá-lo, encontra dificuldades em visualizá-lo em ambiente dinâmico, interligado e em movimento. De um lado, a facilidade em penetrar e captar a essência das coisas; doutro, a dificuldade em visualizar o conjunto. Resumir ou, por outra, delinear superficialmente é o que essa mente recusa, privando a si mesma de uma visão panorâmica e frequentemente esclarecedora. A necessidade de isolar e aprofundar sempre, além de acarretar muito esforço inútil, pode privá-la de enxergar o essencial.

Dia e noite…

Em pensamentos, o movimento último e extremo não executado em vida. E as consequências, todas elas afligindo e pulsando tão logo a cabeça pouse e os olhos fechem. A necessidade de aniquilar, jamais se esquecendo de uma única palavra, levando a cabo todos os impulsos violentos controlados pelo racional manifestando-se, todas as noites, enquanto reina o silêncio no exterior. Em vida, em arte, o esforço por abrandá-los, o esforço por lhes mascarar o caráter monstruoso, o esforço pelo predomínio da consciência. E assim a mente submerge em dupla vida.

Brincando de psicólogo…

Divirto-me analisando a mim mesmo sob a ótica de Jung. Adotando a terminologia já amplamente difundida de Myers-Briggs sou, desde que me lembro, um inconfundível INTJ (com I e J que só fazem aumentar). Tento visualizar-me como o faria Jung, então me insiro no meio circundante: impossível não concluir que queimo vivo numa fogueira! Mas como, ainda, não houve a reação violenta que se poderia esperar de alguém como eu? Talvez tenha havido, e disso é evidência a crescente radicalização de meu comportamento. Um tipo independente, solitário, com necessidade de planejamento, ação e controle não pode reagir tranquilamente se bombardeado o tempo inteiro com o imprevisível, atirado numa situação cada vez mais submissa, instável e invasiva, privado da estabilidade e solidão. Decidir, sempre, mesmo que erroneamente, mas colhendo os frutos do ato individual — o contrário é insuportável! Imagino-me ajeitando os óculos de Jung: “Rapaz, assim não… É hora. Faça algo imediatamente…”