A diferença entre as obras de Jung e Frankl

A diferença entre as obras de Jung e Frankl e quase a totalidade do que se escreveu em psicologia é que ambos arquitetaram uma psicologia para mentes saudáveis, enquanto o grosso do restante não se aplica senão a estados mentais doentios, ressaltando, sempre e somente, a morbidez de que o homem pode padecer. Um indivíduo minimamente vivido e são que escolha uma obra de Freud ou Adler para adentrar na ciência da mente sairá espantado e desgostoso, tomado de um misto de estranhamento e repulsa porque, obviamente, o homem pintado em tais obras pouco ou nada tem de comum consigo mesmo. E então verá, em cada página, intermináveis classificações de transtornos, complexos e similares, muitas vezes associados a comportamentos naturais, porém justificados através de motivos que parecem insultos diretos àquele que lê. Em Jung, em Frankl, como é tudo diferente! Nestes grandes psiquiatras, que foram também grandes homens, embora se encontre o Freud e o Adler, o alto espírito pode, enfim, se reconhecer.

A psicologia moderna, tirando do homem a autonomia…

É curioso como a psicologia moderna, tirando do homem a autonomia, pintando-o como submisso a este monstro criado por Freud, — o “inconsciente”, — acabou por desvalorizar-lhe a própria mente, o contrário do que se poderia esperar. Mesmo Jung, que tão distintamente percebeu o caráter individual da psicologia humana, parece derrapar em algumas falsas noções da psicologia moderna. Afirma ele, com algumas prudentes ressalvas, que nada influencia tão pouco nossa conduta quanto as ideias. E aqui voltamos, mais uma vez, à comparação insultuosa deste “nossa”. Qual “nossa”? Inquestionavelmente, homens diferentes fazem usos diferentes da mente que possuem. Não se há de ser filósofo para se ter uma “filosofia de vida”; e esta, que é senão o resultado prático de ideias, conceitos e julgamentos do indivíduo? Como negar as consequências práticas do raciocínio ao homem de valor? Como continuar com essa sustentação infame de que toda moral é uma construção estritamente coletiva? Se as ideias influenciarem realmente tão pouco o homem, só se pode concluir que este homem, especificamente, trata-se de uma natureza inferior.

The development of personality, de Carl Jung

Jung é realmente admirável! O esforço que empreendeu na tentativa de integrar os elementos irracionais da psique humana em sua psicologia analítica, ciente das críticas que receberia da comunidade científica, é digno do maior apreço. Jung não somente recusou-se a negar ou esconder o que via, como buscou sinceramente explicações para problemas extremamente intrincados, expondo-as ainda que a tatear na escuridão. A visão de “personalidade” que expõe neste paper traduzido como The development of personality mostra uma argúcia raríssima em filhos da academia e afronta a noção de que o homem limita-se a uma construção biológico-social. A personalidade não pode ser ensinada ou generalizada, não manifesta-se espontaneamente e consiste num ato de coragem contra o comportamento de rebanho. É um distintivo, um destino e uma maldição. É uma deliberação consciente e individual, que exige um compromisso consigo mesmo e que jamais se dá por necessidade. É, pois, uma escolha, com consequências insuportáveis à maioria e que altera por completo o paradigma comportamental daquele que a efetiva. Jung, talvez o maior dos psiquiatras modernos, foi especialmente grande por não acomodar-se no conforto dos manuais de psicologia e não ceder ao postulado delirante de que a mente humana obedece a um funcionamento universal.

Mentes noturnas

Cioran, Antero, Kafka… todos dotados de uma mente noturna, isto é, uma mente que, contrapondo-se aos hábitos corporais diurnos, escolhe a noite para pôr-se em atividade intensa. Grande parte das noites, pois, uma verdadeira tortura, um conflito incessante que só termina quando a luz já invade a janela do quarto. O fatigado corpo pedindo descanso, e a mente tendo na quietude da madrugada o horário perfeito para trabalhar. Ideias a estourar como rojões, raciocínios que desenvolvem-se uns sobre os outros, cenas, julgamentos, aflições, planos, expectativas, tudo isso rebentando, sugando atenção quando a vontade é anulá-los todos. Então, já acostumado, o espírito passa a chamar de noites boas aquelas em que o dormir é como um semissono, — o máximo que consegue atingir, — um estado em que a falação mental confunde-se num meio-termo entre sonho e raciocínio, já automatizado por um encadeamento inconsciente e só interrompido por despertares espaçados, nos quais um lampejo consciente questiona o grau da própria lucidez. E desta rotina aparentemente terrível, muitos e muitos frutos, soluções que jamais se dariam num estado plenamente desperto, ideias que, se não oriundas do recanto mais fundo da mente, parecem colocadas pelas mãos de um espírito superior. Muito bem, muito bem: é possível aprender a gostar de noites assim — só não é possível, para uma mente como essa, o bom humor pelas manhãs.