Não é justo condenar Freud…

É verdade, é verdade: não é justo condenar Freud por expor as debilidades de seus pacientes, por explorá-las em busca de justificativas; afinal, de outra forma não seria possível esboçar-lhes soluções. Freud, assim, cumpria uma importante incumbência de um psiquiatra. O problema, porém, e o reprovável, é analisar-lhe a obra em conjunto e constatar não haver indícios de possibilidades superiores ao ser humano. Freud, não lhos encontrando nos pacientes, poderia encontrar em si mesmo, poderia concebê-los ainda que numa vontade de superação ineficaz. Mas não o fez; e, naturalmente, validou em si aquilo que esboçou como modelo humano. É curioso: Nietzsche é frequentemente taxado de louco, seu “além-homem” de utopia absurda, sua vontade de potência de delírio. E os mesmos que o não compreendem, aprovam as ideias de Freud. Mas aí está: tanto Freud quanto Nietzsche desnudaram-se, e se neste encontramos um impulso poderoso que impulsiona à verdade, à arte e, sobretudo, à vitória sobre si mesmo, naquele defrontamo-nos com uma prostração ante as fraquezas da carne e da mente, fruto de lamentável miséria espiritual. Não há fugir: a obra acaba, fatalmente, desvelando o íntimo do autor.

Basta de psicanálise!

Percorro uma obra interessante sobre psicologia, quando começam as referências à psicanálise. Deus! Creio-me num ponto em que já não posso mais suportá-la; foi-se o respeito, a condescendência apaziguadora. Já não parece-me cansativo, mas deprimente continuar mirando esse modelo humano medíocre proposto por Freud. Um modelo aferrado ao passado, castrado de potencialidades, para quem o futuro não é senão a continuidade do presente lamentável, o arrastamento de uma escravidão mental. Penso em Buda ou, antes, no jovem Sidarta, cuja relevância começa exatamente após a tomada de consciência da vida e a primeira manifestação da personalidade, que deliberou um rompimento abrupto e terminante com o passado — algo impossível segundo Freud. Seguiu o ex-príncipe e trilhou-lhe o célebre caminho, que não guardou absolutamente nenhuma semelhança e não sofreu absolutamente nenhuma influência determinante das experiências prévias de Sidarta. Tornou-se Buda, e antes de Buda alguém diferente, alguém cujos passos manifestavam uma vontade livre e resoluta, cujas ações afirmavam um desprendimento último não só do passado, como de todas as correntes que Freud asseverou como componentes necessários de seu modelo humano. Purificou-se escalando níveis, agregando-lhe à experiência as provações que tornaram-lhe cada vez mais autêntico, e cada vez menos o que fora. Basta de psicanálise!

O moldar-se psicologicamente

O moldar-se psicologicamente não é senão centrar-se em objetivos a serem alcançados por esforço mediante estimulações conscientes. Moldar-se, embora possa ser visto como aperfeiçoar-se, corrigir-se ou transformar-se, em suma encerra um processo em que o consciente digladia por afirmação. Define prioridades, propõe-se ação, policia-se e, com o tempo, consegue o que quer. O problema, porém, é que a mente humana é tanto mais efetiva quanto mais focada trabalhe. Disto procede-lhe uma dura limitação: por efetividade, tem de concentrar-se em fins específicos, tem de focalizar-se a atuação. Assim triunfa, mas triunfa numa parte reduzida de seu escopo. Com o tempo, o esforço transforma-se em hábito, a ação consciente automatiza-se, abrindo espaço para que novos enfoques sejam definidos. Mas o tempo é-lhe limitado… Em resumo: pode moldar-se, mas num moldar-se que define-lhe as proeminências, os ressaltos que lhe são mais importantes — e tem de resignar-se com as próprias limitações sabendo que, necessariamente, terá de lidar com uma parte incômoda e atrofiada de si mesma.

Grande parte das “descobertas” modernas nada tem de descobertas

É curioso notar como grande parte das “descobertas” modernas nada tem de descobertas. No terreno da psicologia, é dificílimo encontrar algo relevante que já não esteja esboçado — e amiúde melhor esboçado — nas obras de Doistoiévski e Nietzsche, para não mencionar os textos orientais. Mas o “desafio do urso polar” de Dostoiévski, ou a constatação de Nietzsche de que “as melhores ideias surgem ao caminhar”, em vez de serem imediatamente captadas pela intuição, tiveram de esperar um século para que fossem devidamente validadas por experimentações ociosas. A miséria deste tempo é exigir que tudo contenha-lhe o selo distintivo; do contrário, não tem valor. Assim parecem os esforços direcionados mais a afagar uma vaidade coletiva que a ampliar a extensão de quanto se pode chamar conhecimento do homem.