Graduações de manifestações mentais

Há vezes que a ideia pouco vale — mas deve ser anotada; — em reflexão ulterior, porém, é justo descartá-la. Outras vezes a ideia parece fraca, mas posteriormente, reexaminada com alento renovado, tira-se-lhe algo valioso, e o fraco demonstra-se centelha importante. Outras a mente manifesta-se com clareza, e a ideia parece justa — destas extrai-se o grosso de uma obra. E outras ainda, a mente manifesta-se com tamanho ímpeto que o artista, refreando-a, deixando de imediatamente debruçar-se sobre quanto ela tenta dizer-lhe, comete um crime contra si mesmo, e desperdiça o melhor que pode extrair de suas manifestações mentais. Não basta atenção e método; para o aproveitamento máximo da mente, é preciso uma disposição que contraria o conveniente.

Não é justo condenar Freud…

É verdade, é verdade: não é justo condenar Freud por expor as debilidades de seus pacientes, por explorá-las em busca de justificativas; afinal, de outra forma não seria possível esboçar-lhes soluções. Freud, assim, cumpria uma importante incumbência de um psiquiatra. O problema, porém, e o reprovável, é analisar-lhe a obra em conjunto e constatar não haver indícios de possibilidades superiores ao ser humano. Freud, não lhos encontrando nos pacientes, poderia encontrar em si mesmo, poderia concebê-los ainda que numa vontade de superação ineficaz. Mas não o fez; e, naturalmente, validou em si aquilo que esboçou como modelo humano. É curioso: Nietzsche é frequentemente taxado de louco, seu “além-homem” de utopia absurda, sua vontade de potência de delírio. E os mesmos que o não compreendem, aprovam as ideias de Freud. Mas aí está: tanto Freud quanto Nietzsche desnudaram-se, e se neste encontramos um impulso poderoso que impulsiona à verdade, à arte e, sobretudo, à vitória sobre si mesmo, naquele defrontamo-nos com uma prostração ante as fraquezas da carne e da mente, fruto de lamentável miséria espiritual. Não há fugir: a obra acaba, fatalmente, desvelando o íntimo do autor.

Basta de psicanálise!

Percorro uma obra interessante sobre psicologia, quando começam as referências à psicanálise. Deus! Creio-me num ponto em que já não posso mais suportá-la; foi-se o respeito, a condescendência apaziguadora. Já não parece-me cansativo, mas deprimente continuar mirando esse modelo humano medíocre proposto por Freud. Um modelo aferrado ao passado, castrado de potencialidades, para quem o futuro não é senão a continuidade do presente lamentável, o arrastamento de uma escravidão mental. Penso em Buda ou, antes, no jovem Sidarta, cuja relevância começa exatamente após a tomada de consciência da vida e a primeira manifestação da personalidade, que deliberou um rompimento abrupto e terminante com o passado — algo impossível segundo Freud. Seguiu o ex-príncipe e trilhou-lhe o célebre caminho, que não guardou absolutamente nenhuma semelhança e não sofreu absolutamente nenhuma influência determinante das experiências prévias de Sidarta. Tornou-se Buda, e antes de Buda alguém diferente, alguém cujos passos manifestavam uma vontade livre e resoluta, cujas ações afirmavam um desprendimento último não só do passado, como de todas as correntes que Freud asseverou como componentes necessários de seu modelo humano. Purificou-se escalando níveis, agregando-lhe à experiência as provações que tornaram-lhe cada vez mais autêntico, e cada vez menos o que fora. Basta de psicanálise!

O moldar-se psicologicamente

O moldar-se psicologicamente não é senão centrar-se em objetivos a serem alcançados por esforço mediante estimulações conscientes. Moldar-se, embora possa ser visto como aperfeiçoar-se, corrigir-se ou transformar-se, em suma encerra um processo em que o consciente digladia por afirmação. Define prioridades, propõe-se ação, policia-se e, com o tempo, consegue o que quer. O problema, porém, é que a mente humana é tanto mais efetiva quanto mais focada trabalhe. Disto procede-lhe uma dura limitação: por efetividade, tem de concentrar-se em fins específicos, tem de focalizar-se a atuação. Assim triunfa, mas triunfa numa parte reduzida de seu escopo. Com o tempo, o esforço transforma-se em hábito, a ação consciente automatiza-se, abrindo espaço para que novos enfoques sejam definidos. Mas o tempo é-lhe limitado… Em resumo: pode moldar-se, mas num moldar-se que define-lhe as proeminências, os ressaltos que lhe são mais importantes — e tem de resignar-se com as próprias limitações sabendo que, necessariamente, terá de lidar com uma parte incômoda e atrofiada de si mesma.