Diz-nos Gilberto Freyre, em Ordem e Progresso:
Tal foi o caso dos republicanos. Vociferando desde 1870, com a fundação de seu partido, pela abolição da escravidão, a incorporação dos excluídos à cidadania e a construção de uma sociedade democrática e participativa, assim que chegaram ao poder esses líderes criaram um regime ainda mais elitista, concentracionário e excludente do que aquele da monarquia que haviam destituído.
E, mais adiante:
Raros parecem ter compreendido o que havia de substantivamente autoritário nas ideias dos principais fundadores da República em contraste com o que se tornara essencialmente antimonárquico no parlamentarismo e no extremo liberalismo de muitos dos estadistas do Império, tantos deles apenas adjetivamente monárquicos nas suas ideias e nos seus processos.
Talvez não haja, em toda a história brasileira, uma tragédia melhor desenhada do que essa transição, não de regime político, mas de valores que culminou talvez na ditadura de Floriano Peixoto, depois da qual o Brasil jamais foi o mesmo. Foi todo um assassinato progressivo de cada uma das qualidades morais que caracterizavam a índole da sociedade brasileira, operado especialmente por um sistema que passou a premiar o opróbrio, a vilania e a malandragem, em contraposição direta com o que ocorria no Brasil imperial. É preciso ser completamente cego para não enxergar o desastre, a derrocada que assolou um futuro que então aparentava auspicioso a médio prazo e que talvez não esteja melhor retratado na literatura brasileira que pelo dramático Pneumotórax, de Manuel Bandeira: podia ter sido, e não foi.