Estou, concentrado, a compor alguns versos. Sinto-me a mente fervendo. Pulo de um dicionário ao meu rascunho, altero palavras, evoco imagens e idealizo o ritmo ideal. Acho um vocábulo, encaixo-o num verso; mas travo. “Avanças”: carece este verbo de rima. Quero brilho, condenso os esforços, estimulo energicamente o pensamento. Eis que escuto um sussurro: “Esquivanças, esquivanças!”. Ah, Camões!… que surpresa! O sorriso é-me automático: ganhei o dia! Uma rima excelente, excelente, mas… que dizer? como disfarçar-me a grosseria? Continuo sorrindo. Não posso simplesmente dizer que mudaram os tempos; são os meus versos, senhor Camões, especificamente os meus versos, que possuem esta aridez inata que é refratária ao teu brilho e à tua sensibilidade. Eu não sei fazer esse tipo de rima. Mesmo que eu queria, mesmo que eu force, os meus dedos não digitam esta palavra dentro de um verso. Mas agradeço, agradeço muito. Passarei o restante do dia, como um louco, rindo sozinho.