Questão facílima e de pronta resposta. Como lidar com o bloqueio criativo? Dando-lhe a devida importância: nenhuma.
Até entendo o terror de alguns escritores com a tela branca, o vácuo de ideias, o tal “bloqueio criativo”. Mas vejo este como um problema extremamente frágil, passível de ser rompido com três batidas no teclado. O que chamam “bloqueio criativo” normalmente é o conjunto de desculpas psicológicas que um escritor repete a si mesmo para não escrever.
Enquanto for possível começar um romance com “Era uma vez…”, um conto com “Foi numa manhã ensolarada…”, um ensaio com “O objeto deste estudo…” ou um diálogo com “Como foi seu dia?”, bloqueio criativo jamais será um problema relevante.
Mas o que ocorre, e a pouca prática sempre me amparou, é que os dedos ativam o cérebro, e caso ousem digitar algo como “Era uma vez…”, automaticamente o cérebro, irascível e implacável, fará correção imediata, de forma que antes mesmo que os dedos deem cabo de seu intento juvenil, a frase já estará devidamente reconstruída.
O cérebro é senhor e corretor obstinado dos dedos, mas lhes necessita o estímulo para colocar-se a trabalhar. Assim, se um dia alvorece ensolarado, apenas por isso, o cérebro começará a pintá-lo conforme deve ser, e então os dedos, escravos agitadíssimos e precipitados, terão de rever o trabalho mal feito ou continuá-lo caso esteja bom, o que farão com muito gosto, visto serem afeitos à labuta. Em suma: tudo se resume a uma questão de movimento.
Portanto, entendendo o “bloqueio criativo” como um problema da alçada dos dedos, tomando ciência de que, ao se sentar, imediatamente se porá a escrever, independente do estado emocional, do ambiente ou da motivação do dia, o escritor poderá, assim, guardar-lhe o ânimo para o trabalho terrível que o espera na revisão, que exigirá tudo o que for possível extrair de seu cérebro, atormentando-o com a forma inalcançável, a falha no ritmo do texto, o mau encadeamento dos parágrafos, a palavra que lhe escapa ou o não expressa com precisão… isso sem falar, é claro, do sentimento extremamente amargo que lhe brotará no peito assim que o cérebro começar a dar vida às linhas escritas em estado de emoção.
Esse tal “bloqueio criativo” é problema que suscita o riso quando o escritor estaca arrepiado diante de um texto mal escrito, repleto de erros, prolixo, fastidioso, inexpressivo, sabendo que exatamente esse texto tomou-lhe dezenas de horas e constitui, em suma, o trabalho de sua vida.
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