A historiografia proporciona repetidas vezes…

A historiografia proporciona repetidas vezes um choque tão grande, que é impossível ao estudante não entrar num estado de revolta. Isso se dá, por exemplo, quando se estuda o avanço sistemático do Estado sobre as liberdades, penetrando e pervertendo cada vez mais completamente o tecido social, de modo que, hoje, transformado num monstro poderosíssimo, praticamente anulou a possibilidade de reação. A revolta é legítima: por muitíssimo menos sublevaram-se povos e rolaram cabeças. Pensar nos “abusivos” impostos do passado e cotejá-los com a aceitação pacata, bovina de impostos atuais radicalmente superiores é uma punhalada no espírito. Contudo, é preciso vencer a revolta e prosseguir no estudo, já que, antes de tudo, é preciso entender exatamente o que aconteceu.

Uma tarefa um tanto desagradável

Deve ser uma tarefa um tanto desagradável a do historiador que, dispondo-se a narrar a biografia do grande homem, não pode dela ocultar a ação sempre presente e sempre odiosa dos homens medíocres que o invejam e o tentam derrubar. E, afinal, parece não ter havido historiador a livrar-se deste encargo, visto que, para eximir-se de invejosos, o homem de talento teria que se não mostrar jamais. Algum destaque, dá-se o implacável provérbio japonês. Não há, mesmo, esforço maior do que aquele necessário para, conhecendo o mundo, não maldizê-lo; o otimismo refletido é uma tremenda e meritória obra intelectual.

De um autor tolera-se tudo…

De um autor tolera-se tudo, salvo a desonestidade. Falhar neste ponto é anular tudo quanto se produz. Como leitores, a mera sensação de que há numa obra intenções camufladas e que estamos a ser enganados é motivo suficiente para que a atiremos para longe; afinal, como fazer de bom grado papel de palhaço? Se não podemos, salvaguardados pela sinceridade do autor, dar-lhe o crédito necessário para uma leitura proveitosa, o melhor é abandoná-lo. Há, decerto, uma infinidade de outros autores que cumprem este requisito e têm muito a nos ensinar.

Cotejar o noticiário com os livros de história…

Cotejar o noticiário com os livros de história é algo extremamente educativo, por demonstrar absolutamente infundada essa sensação de premência, de que algo determinante está sempre a se passar. Quão pouco sobra destas ninharias! E nem é preciso valer-se da história: abrimos jornais de outros países, e verificamos a mesma inclinação, talvez demandada pelo marketing, de apresentar tudo como importante, enquanto nós, cá no fim do mundo, sequer conhecemos o grosso dos atores pintados como relevantíssimos. É, quase tudo, exagerado, quando o que realmente importa não se encontra em jornal nenhum.