O que encanta na poesia provençal e nas formas fixas medievais francesas é sobretudo a sonoridade melodiosa, que só ocorre por haver em ambas um vínculo inalienável com a música, isto é, só ocorre por serem sempre as composições, se não destinadas ao canto, destinadas a serem recitadas com acompanhamento musical. Assim que ritmo e melodia, obrigatoriamente, nelas tem de se harmonizar como exigência construtiva, surtindo um efeito, ou melhor, dotando a composição da deliciosa qualidade que a poesia moderna esforçou-se por se despojar.
Categoria: Notas
O direito de incomodar
Na sociedade brasileira, o direito de incomodar prevalece sobre o direito de não ser incomodado, este fundamental para o convívio pacífico no mundo civilizado. No mundo civilizado, aquele que incomoda perde imediatamente a razão e é condenado pelo senso comum; já na selva brasileira, ai daquele que julgar-se no direito de não sofrer distúrbios frequentes! Diz-se que, em Tóquio, o que mais espanta é o silêncio que permeia a grande movimentação das avenidas, a mudez das construções enormes, o ruído que não emana do comércio. Um cão brasileiro, em Tóquio, parece destinado a enlouquecer.
Às vezes é divertido imaginar a reação…
Às vezes é divertido imaginar a reação de um destes europeus realíssimos e literários, que aliam o rotineiro mau humor à prática da misantropia, se expostos à ousadia destes ambulantes que pululam nas metrópoles brasileiras. Quanto tempo suportariam, sem que explodissem e acabassem partindo para a agressão? Difícil dizer… Mas bastariam uns poucos minutos a pé em qualquer avenida movimentada para que notassem que, aqui, inexiste essa coisa chamada constrangimento, essa inibição saudável perante um desconhecido, esse respeito que se manifesta por um desejo de não incomodar. Não, não… aqui dá-se o oposto, e idêntica irritação brotaria no ambulante alvejado pela desfeita de encontrar um transeunte que não esteja inteiramente disponível, inteiramente aberto e ansioso pela abordagem intempestiva. Dois animais cuja relação não pode senão resumir-se em repulsa e confronto e que Deus, pelo bem do planeta, faz bem em separar.
Embora, sem dúvida, não seja algo profissional…
Embora, sem dúvida, não seja algo profissional ou prudente o sentar-se à mesa e permitir-se admirar a maravilha medonha da tela branca com o cursor piscando como um cronômetro macabro, o fazê-lo por vezes mostra-se curioso, quando o resultado é o cérebro buscar a ideia de um obscuro recanto da mente, e em seguida desenvolvê-la com minúcia, sem que se tenha preparado para tal. Kardec assevera trata-se de um naturalíssimo processo metafísico que, conquanto inteligível, uma vez aceito coloca em xeque os limites, a identidade e as capacidades individuais do ser. Então a pergunta, que talvez encerre uma valiosa lição: em que medida importam?