O homem prático e o homem pensante

Thomas Bernhard, em Extinção, faz uma acutíssima reflexão sobre o que se pode chamar de o homem prático e o homem pensante. Segundo o raciocínio, o homem prático odeia a ociosidade, e a identifica de praxe com o homem pensante. Ocorre que o homem prático, desacostumado ao pensamento, só concebe a ação como ação prática, e portanto não pode entender a ausência de ação prática senão como ócio. Mas a verdade é que, ao homem pensante, o ócio não existe, pois é justamente sob a aparência de ociosidade que experimenta os seus estados de maior excitação. Tal está, todavia, muito além da compreensão do homem prático. O curioso disso tudo é que, em verdade, é justamente o homem prático que descai na ociosidade que tanto odeia: incapaz de pensar, somente para ele a ausência de ação prática significa a genuína e absoluta inação.

Nenhuma filosofia e nenhuma religião…

Nenhuma filosofia e nenhuma religião que se queira verdadeiramente grande pode prescindir da prática, isto é, pode prescindir da realização através de um ser humano real. Somente o exemplo convence, e somente a positivação em prática justifica a teoria que, não importa quão superior pareça, jamais o será se não provar-se superior também pelos frutos. Assim que, tão conveniente quanto ouvir o que diz é atentar-se para aquilo que efetivamente faz.

Certa vez, há uns bons anos…

Certa vez, há uns bons anos, anunciaram-me ter ouvido uma música cujo peso era tão tremendo, tão sombrio e tão dramático que parecia encerrar algo de infernal. Era Prokofiev. Reconheci a música de imediato e sorri. Em seguida, para evidenciar que aquilo nada tinha de exageradamente tremendo, sombrio ou dramático, reproduzi uma faixa do Réquiem. Na primeira nota, o assombro e a certeza, escancarada por um contraste esmagador. Idêntica sensação repetiu-se na noite de ontem quando, após quatro anos, retorno ao meu romancista preferido, ao autor ao qual mais horas dediquei e do qual não posso separar-me. No mesmo dia, havia encerrado uma obra de Thomas Bernhard, uma obra em que a mesma técnica é exaustivamente empregada a fim de expressar tensão psicológica, aflição, inquietude, desespero, e sabe-se lá mais o quê. Então, Dostoievski. Não é preciso dizer mais nada.

A superioridade de Tolstói e Dostoiévski

A superioridade de Tolstói e Dostoiévski sobre os demais romancistas não é a técnica e nada tem que ver com a técnica, o que demonstra que, em literatura, ela não prepondera sobre a motivação artística, esta sim a essência de uma obra. O que se nota nos romances de ambos é que, lendo-os, sentimo-nos inteiramente absorvidos pela narrativa e uma infinidade de ideias movimentam-se em nossa mente, mas nunca aquelas relacionadas aos artifícios da narração, que passam como despercebidos, a menos que nos proponhamos a exclusivamente analisá-los. São ambos superiores porque superiores são suas motivações.