O jogo das contas de vidro, de Hermann Hesse

Este belíssimo romance é uma admirável tentativa de sintetizar quanto há de mais alto e mais nobre na existência humana. Se analisamo-lo com cautela, vemos que a virtuosidade, em suas múltiplas faces, foi cuidadosamente distribuída pelas personagens e pelo enredo do romance. Dificílima tarefa! e por isso digna do maior apreço. Estruturalmente, a obra é interessante por fornecer-nos lances assaz previsíveis e deixar algumas lacunas na história. Tal nos faz refletir sobre a necessidade da surpresa quando há um todo harmonioso a expressar uma mensagem profunda e potente. Numa narrativa inteiramente impregnada desta harmonia, quanto se ganha surpreendendo? Notamos, na obra, o honroso esforço por dar voz ao inefável, por expressar-se pela singeleza e complexidade do silêncio, da música, do céu estrelado, como se tais elementos não carecessem além da própria presença para dizer-nos o que têm a dizer. A vida de Joseph Knecht encerra-se numa cena de simbolismo inesquecível: cada detalhe contribui para a mensagem central da obra. A beleza radiante da paisagem, os contrastes entre juventude e velhice, instinto e racionalidade, saúde e doença, o ato simultaneamente humilde e corajoso do erudito que desafia e permite-se engolido pela natureza, tudo isso, tomado em conjunto, parece tangenciar a complexidade da vida. Por algum motivo, brota-nos a imagem de Hermann Hesse voando alto, muito alto, nos mesmos anos em que um exército de autores atiravam a literatura na depravação…