Obrigado, Deus!

Considero uma manifestação real de Deus em minha vida o ter-me livrado de centenas de páginas de interpretação da vida de Pessoa “through a Freudian lens”, martírio ao qual eu fatalmente me submeteria para conhecer um pouco mais da vida do poeta. Então tomo conhecimento da existência deste tijolo de mil páginas, de autoria de Richard Zenith e publicado recentemente, que já nas primeiras linhas aponta as conclusões do biógrafo freudiano João Gaspar Simões. Segundo este, “nostalgia for lost childhood and the pure happiness it represented is the key to understanding the man and his work”. Que vergonha destes discípulos de Freud! Que vergonha! E o incrível é não ruborizarem ao despejar tais conclusões assustadoramente rasas e previsíveis. Há, para o discípulo de Freud, duas únicas causas para toda manifestação humana: a infância e o desejo. Nada além disso é possível, e tudo pode por elas ser infalivelmente justificado. Assim que um homem que manifeste na vida a vocação religiosa, obviamente, seja o monge ou o santo que for, fá-lo pela frustração de não ser capaz de se relacionar com mulheres, ou pela sexualidade mal resolvida. Já um artista tem de celebrar-se pela devassidão, faz arte pela necessidade de expressar traumas infantis não superados. Em todo senhor de cabeça branca há, naturalmente, um pervertido interior que lhe constitui a essência… Que vergonha! que vergonha! É espantoso notar a pobreza da psicanálise! E obrigado, Deus, muito obrigado por livrar-me dos insultos que teria de confrontar em razão do apreço que tenho pelo enorme português…