Algum filósofo notou ser a obra filosófica a repercussão de um lampejo único e decisivo, a partir do qual facilmente se delimita um antes e um depois. Tal lampejo é decerto observável; mas o curioso é que ele, ocorrendo de praxe antes dos trinta, aponta somente o caminho, o incontornável caminho, mas não assegura para onde este conduzirá. Pelos trinta, não há como negar, faz-se filosofia mais ou menos como se faz literatura: registrando e discorrendo sobre impressões. Estas, ainda que verdadeiras, ainda que determinantes, parecem pedir tempo para cristalizar. Quer dizer: a admirável, a impressionante segurança com que se expressam alguns filósofos de cabeça branca quase nunca é igualada por filósofos mais jovens, o que parece sugerir que o grande filósofo descobre-se cedo, mas só se realiza após um longo tempo de maturação.
O artista boêmio é uma falsificação
De Pío Baroja:
Los pintores —añadió Larrañaga con aire agresivo— serían los menos inteligentes de los artistas si no existieran los escultores, los músicos y los cómicos, que son la quintaesencia de lo cerril. La mayoría de ellos son unos patanes llenos de suficiencia. Nada tan aburrido como un artista. Es más ameno hablar con la portera o con un tendero de comestibles. El pintor y el bohemio, como tipos amenos, ingeniosos y espirituales, son falsificaciones de nuestra época.
Não há negar: a boêmia deu ao mundo uma meia dúzia de gênios e, por cada um deles, o mundo produziu uns bons milhares de imbecis. Tais rodas, todos sabem, formam-se sempre de pretensos artistas, e acolhem, esporadicamente, um ou outro digno do nome. Mas este, tão naturalmente como as visita movido pela curiosidade, logo as abandona motivado pela desilusão. Perda de tempo, esterilidade e presunção. Nestas rodas, a arte não é senão pretexto, tal como noutras o futebol, a vida alheia ou a política. O artista boêmio é, mesmo, uma falsificação.
O Brasil é o país onde a posteridade não redime
O Brasil é o país onde a posteridade não redime. Disso a historiografia dá provas irrefutáveis, especialmente a historiografia literária. O que há de bom não é lido — é como se não existisse. E o que circula, quando lemos, sentimo-nos diante de paupérrimos resumos esquemáticos que jamais fazem referência a vidas e obras de homens reais. Tais esquemas só conseguem perpetuar a incompreensão e propagar o desinteresse, e quando os analisamos pelas ausências, ou pelas inverdades, ou pela displicência, aí o que sentimos mesmo é vontade de desistir…
Muito de interessante se aprende…
Muito de interessante se aprende nestes modernos estudos linguísticos, sobre os quais se apoia grande parte da filosofia atual. O problema é que, após algumas dezenas de páginas, sentimo-nos estranhamente navegando longe, muito longe da realidade, já num ponto onde não se pode estabelecer com ela nenhuma conexão. Daí que, se assumimos o argumento apreciado, metemo-nos em tremenda confusão. O erro é demasiado evidente: tais autores, conscientemente ou não, trocaram a experiência pela linguagem, como se fossem estas permutáveis, como se fosse aquela dispensável. Um erro simples; porém, uma vez cometido, dificílimo de contornar.