Viktor Frankl, atirado num campo de concentração nazista, viu-lhe a realidade reduzida à miséria mais plena. Racionalmente, embora com frieza quase sobre-humana, e embora por uma questão de sobrevivência, por uma urgente necessidade de preservar a sanidade mental, propôs-se a mirar a própria desgraça com as lentes de um cientista. Isolou-se-lhe a mente numa bolha intelectual fictícia e fez da destruição física, psicológica e moral o objeto de suas investigações. É, resguardadas as proporções, o que deve fazer todo investigador sério da vida.
Il mestiere de vivere, de Cesare Pavese
Deus! Quanta vida nestas linhas! Contudo… É lamentável. Um espírito notável digladiando-se, corroendo-se e esmorecendo em meio a anseios de quinta categoria. Turvado por paixões, que lhe desviam o foco e sugam-lhe a energia, Cesare Pavese expõe, neste diário intitulado Il mestiere de vivere, um conflito interior atrocíssimo que desperta, ao mesmo tempo, empatia e pena. Tormentos terríveis, terríveis; e os motivos… injustificáveis, indignos da estirpe do poeta. Numa nota, a prudência: “maturità è l’isolamento che basta a se stesso”, pouco depois, a recaída: “la massima sventura è la solitudine” — manifestações de um espírito que sucumbiu às fraquezas da raça. Pena, muita pena…
O momento em que o destino faz o seu chamado
Ainda que seja incômodo assumi-lo, — e mais ainda justificá-lo, — parece haver, na biografia de todo grande homem, um momento em que o destino faz o seu chamado e, de praxe, porquanto falamos de grandes homens, estes cumprem o seu papel. É sempre possível identificar a circunstância emblemática cuja resposta — o ato — resulta na concretização da personalidade. Pode-se, ainda, adicionar que tal circunstância configura o ápice de uma biografia, o ponto onde a individualidade se afirma e se distingue e, já que falamos de destino, a própria sorte é definida. A história oferece-nos inumeráveis evidências para essa desagradável constatação que parece nos sugerir que a grandeza de seus personagens limita-se a aceitar, conscientemente ou não, o destino que lhes é reservado. Oh, nota!…
O artista deve empregar todos os meios de que dispõe…
Já disseram — Pessoa? — que o artista deve empregar todos os meios de que dispõe para dar luz à própria obra. Do contrário, as dificuldades não serão vencidas e, provavelmente, ela não sairá. É mister que o artista construa um ambiente propício, molde-lhe a vida em redor do objetivo central; que tenha um horário diário reservado à obra, horário que represente o cerne da rotina e ao qual chegue, todos os dias, em sua melhor disposição. Isso por anos a fio, por quanto lhe durar a existência — sempre ciente, como o era o próprio Pessoa, de habitar o presente pertencendo integralmente ao futuro.