O homem e sua circunstância

É prudente quando Ortega y Gasset diz que “yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”, e também a constatação de que, vivendo para o seu tempo, o homem vive para todos. Há nisto, porém, um perigo. Dostoiévski inseriu uma temática atemporal no cenário de seu tempo; Dante representou a moral de seu tempo em versos sublimes cuja essência residia num drama espiritual acrônico. É impossível abstraí-los da circunstância sem deformá-los, contudo em ambos a circunstância não faz senão pigmentar — individualizando, é claro — uma expressão universal comum a homens de todos os tempos. O autor, se obsessivo com sua circunstância e desprovido do senso do atemporal, tende a perder-se em futilidades efêmeras, tornando-se irrelevante para o futuro, ou mesmo fora de seu círculo social. Mais do que tudo, é necessário que ele desenvolva a noção do que passa e do que fica, do detalhe e do essencial; do contrário será fatalmente esquecido.

Declinações e Buda

Ponho-me a decorar declinações russas e penso em Buda. Minha mente é contrária, desde sempre, a decorar deliberadamente. Mas é impossível assimilar línguas com flexão de caso sem decorar declinações! Que fazer? Buda… certamente Buda não manejava nenhuma dessas línguas, salvo o páli — mas ao meditar, duvido que pensasse em suas declinações. Embora desconheça o caminho ao nirvana, sei como ninguém um caminho que torna o nirvana impossível, que expulsa o ser de qualquer nirvana imaginário… Prova-me, Buda, a tua superioridade! Aquila, aquilam, aquilae, aquilae

Saber inglês é dever do intelectual moderno

Saber inglês é dever do intelectual moderno. Em primeiro lugar, por ser a literatura inglesa a maior do mundo — isto é, a que possui em maior número e há mais tempo produz consistentemente autores de primeira linha; — em segundo lugar, por ser o que mais se aproxima de uma língua universal — ou seja, a língua de mais comum intercâmbio e, também, a língua da literatura especializada em grande parte das áreas do conhecimento; — finalmente, pelo fato de os ingleses terem traduzido tudo: amiúde é mais fácil encontrar uma tradução inglesa que um original francês, italiano ou espanhol, para não dizer de línguas menos populares. Saber inglês, portanto, não é somente facilitar a vida de estudos, mas obrigação posto a falta do inglês priva o estudante de muito do que há de melhor disponível. De tudo isso, o problema. O escritor de língua portuguesa, quanto mais se empanturra do inglês, mais deve lutar para que, em hipótese nenhuma, permita-o penetrar sua escrita. Uma língua cuja força, a simplicidade, é também a maior fraqueza: sintaticamente o inglês é limitado; se vertido ao português tem-lhe a pobreza escancarada. Más traduções do inglês são intoleráveis, e mesmo originais devem ser lidos com muito cuidado, de preferência intercalados com obras vernáculas, e a precaução deve ser idêntica à do químico que coloca luvas antes de trabalhar.

Democracia: a fábrica de covardes

Um dos efeitos colaterais mais detestáveis de uma sociedade democrática é o estabelecimento do juízo velado de que, se muitos estão contra um, os muitos estão com a razão. Não há processo mais eficiente para uma fábrica de covardes! A partir do momento em que uma criança é ensinada que, para fazer valer sua opinião ou vontade sobre as de outro, basta convencer um terceiro a apoiá-la, ela aprende a operar a covardia — conhecendo-lhe as vantagens práticas sobre a honra, virtude essencialmente individual. Se pensamos em gerações inteiras educadas desta forma, é o fim!