O que se distingue num artista é a força e a multiplicidade de suas manifestações. Criatividade não é senão a capacidade em apresentar ideias múltiplas com potência. Por isso todo grande artista, desenvolvendo-se, tende à variedade e aos excessos e torna-se gradativamente mais radical em suas manifestações. Em geral, acabam ceifados desta terra antes de se darem por satisfeitos. Mas há, também, os que se recolhem no silêncio após convictos de que disseram, até a última palavra, o que haviam de dizer.
O complexo de vira-lata
Estou pensando em Nelson Rodrigues e seu célebre diagnóstico:
Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.
Não posso deixar de fazer ressalvas. Quanto aos pretextos, deixo para uma próxima. Vamos hoje do princípio do raciocínio. Nelson travava relações com pessoas da melhor instrução. Sua análise é precisa quando aplicada aos brasileiros ilustrados ou, em outras palavras, aos brasileiros cientes de que o planeta se não resume no Brasil. Há uma distância imensa entre a visão de mundo do que podemos chamar de “classes cultas” e da plebe brasileira. Admira a Europa, os Estados Unidos aqueles que lá estiveram ou, ao menos, aqueles que de lá têm algum conhecimento. Nas classes mais baixas, o “complexo de vira-lata” não só é inexistente, como transmuta-se no fenômeno oposto. O brasileiro médio, isto é, o inculto, ufana-se de patriotismo e estufa o peito para falar do Brasil. Se não declara inexistentes todos os outros países, então para com eles demonstra uma hostilidade impressionante. É conversar com pouco instruídos e descobrir que muitos deles possuem opiniões fortíssimas contra a China, contra a Rússia ou contra várias outras nações, mesmo incapazes de apontar-lhes num mapa a localização. É dizer ao brasileiro médio coisas como a grandeza do território, a potência natural, a diversidade e, especialmente, o futuro de seu país e vê-lo, emocionado, a dizer pelos olhos de qual complexo padece.
Um país culturalmente relevante
Um país, para que seja culturalmente relevante, necessita de ao menos um símbolo de orgulho nacional. Do contrário, arrastar-se-á pelo tempo em meio a um deserto cultural intransponível e, ainda que esparsas lhe surjam algumas manifestações culturais valorosas, estas jamais terão papel relevante e transformador. Se não enxerga no passado algo que o une e o distingue, um povo está para sempre condenado à insignificância cultural.
O homem atinge o ápice de sua vocação humorística na revolta
O homem atinge o ápice de sua vocação humorística na revolta. O melhor palhaço é aquele que melhor simula a irritação. Seja do absurdo dos mesquinhos eventos cotidianos, seja da impotência frente ao universo, a revolta brota-lhe e expõe essencialmente o ridículo de sua condição. Todo humor surge de um contraste: a revolta suscita a gargalhada porque penosa e absolutamente inútil. Digo e enveredo pelo inevitável: há algo mais divertido que blasfêmias? Um inseto indignado ante um deus… Esperneia, brada, frita-lhe os nervos em vão. Em pleno furor, recorre à ofensa arriscando-se ao suplício eterno. Pelo prazer de julgar arranhar, num átimo, a reputação de um ser infinitamente superior, coloca-se, vulnerável, como candidato a alvo de uma ira terrível. Já disseram que toda blasfêmia é, no fundo, uma manifestação de dignidade. Talvez isso esteja certo… O risível é nem por isso de algo servir.