O contraste entre textos antigos e textos modernos

É incrível notar o contraste entre textos antigos e textos modernos. Há nos antigos uma inocência — ao menos, parece-nos ser esta a palavra correta — que nos causa estranheza. Não podemos compreendê-los: há textos que a nós soam como escritos por crianças, ou por seres provenientes de outra raça, habitantes de outro mundo. Mais: os antigos, em sua maioria, quase sempre buscavam versar sobre o essencial — algo raríssimo em tempos modernos, onde a literatura é consagrada ao corriqueiro. Os textos antigos distinguem-se pela expressão de uma admiração, de uma reverência para com a realidade que parece-nos inimaginável. O homem moderno é destituído da faculdade do espanto: para ele, a existência é tediosa e o mundo enfadonho, velhíssimo e banal.

Alegria e desgosto

Um sujeito que apanha regularmente a chicotadas é tomado de alegria sempre que o chicote cessa. Alegra-se muitas e muitas vezes durante a vida. Aprende, à força, a agradecer e a valorizar os momentos que sobressaem ante a sua condição natural. Já um rei… como agradá-lo? Não é possível: um rei nunca pode ser feliz. Um rei tem tudo, exceto aquilo que quer, e o que quer é a satisfação plena de seu desejo, que não tem limites. Raciocinando dessa forma, chega-se a duas conclusões: a primeira, de que a alegria exige um contraste positivo; a segunda, de que o desejo a impossibilita. Num rei, é impossível qualquer contraste positivo, posto sua condição jamais mudar significativamente para melhor. Quanto ao desejo, há de ser um Marco Aurélio ou, exatamente como se passaria a qualquer ser humano em suas condições, é forçado a vê-lo insuflar-lhe de um desgosto insistente e invencível.

Ser culto envolve entender que o mundo é velho, vasto e plural

Ser culto envolve entender que o mundo é velho, vasto e plural. Envolve enxergar que a civilização não começou no último século, que há países e não um só país; há religiões, literaturas, povos, idiomas, culturas, morais, ídolos, tradições… Há assimilações múltiplas da realidade, hábitos contrastantes e amiúde opostos. Há climas, geografias, histórias… Em suma: ser culto envolve entender que o mundo excede o próprio umbigo — algo raro de se ver…

Tudo quanto é vivo morre…

Compreenderam os budistas a mecânica deste mundo, onde tudo quanto é vivo morre, ainda que lentamente, ainda que disfarçadamente mediante um ciclo inevitável. Admira, pois, que seja tão difícil defrontar a morte como episódio natural e necessário. Colocar pedras sobre o passado: eis a rara virtude, também chamada maturidade, que não é senão a capacidade de aceitação do presente. Tudo está sempre em movimento, todo estado é necessariamente transitório, morrerá o que hoje vive e o que foi não é…