A arte séria não entrega prazer ao artista. Dizê-lo é repetir o óbvio… Kafka é o modelo de artista sério: Kafka, o escritor que queimava quase tudo o que escrevia e que viveu como um completo anônimo. Que lhe deu a arte? Nada, senão aflição. Quem julga a arte entregar qualquer tipo contentamento desconhece-a por completo. O artista esforça-se por dezenas de horas: cria a obra. E então, que faz? ou ainda: de que lhe serve a obra? De início, a arte séria não vende — e é um insulto pensar que seja feita para vender; — depois, é uma piada imaginar alguém como Kafka satisfeito ou contente ao vislumbrar o que pariu. Kafka certamente relia as suas obras, e é por isso que as queimava. Uma obra séria, posto criada, repugna ao artista; uma vez criada, tem de desaparecer de seu campo de visão. De resto, aí está o que a arte entrega: infinitas horas de amargura, e um juízo final desgostoso. Como Kafka, é deixar inédito o trabalho de uma vida e ordenar em testamento: “Queime tudo o que sobrar de mim!”.
O grande artista não se limita a recriar a existência
A mais nítida linha divisória entre artistas inferiores e superiores separa aqueles que fazem arte por brincadeira e aqueles que transmitem através da arte um juízo sobre a vida. O grande artista não se limita a recriar a existência: ele expõe um julgamento sem rodeios, desnuda-se em prosa ou verso. Ele escolhe a temática, constrói um arco visualizando-lhe o efeito, submete o conjunto a um sentimento ou impressão, impregnando a criação de um estado de alma, de um sentimento proveniente do seu juízo. É por isso que há arte artificial, arte fraca, que não comove nem convence. Há artistas protocolares, que brincam e limitam-se a copiar modelos, que fazem arte pela vaidade de fazê-lo, que seguem tendências, que, incapazes de emitir um juízo pessoal sincero, fazem arte pensando em agradar.
O mais terrível de todos os males
De Camus:
Da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos. Não conheço símbolo algum mais emocionante do que este.
Literatura a chicotadas
Escrevi, como que forçado, uma peça e outros dezenove Casos — agora são quarenta e nove, e disso para mil dista um pulo. Acontece o seguinte: é engraçado, quando faço versos, sinto saudade da fluidez da prosa. Mas, à exceção destas Notas, a prosa só me sai a contragosto. É pôr-me a criar narrativas e já começo a pensar em quando as acabarei, em quando me livrarei da obrigação que psicologicamente contraí. Dois volumes de Casos, em sequência, e eu desistiria de tudo. Cansa-me principalmente o método, a estruturação da narrativa e, depois, a execução. O estilo pede concisão, lógica, encadeamento, e a mente parece trabalhar amarrada. A temática surge espontaneamente e torna-se uma ordem. Versos… estes, ao menos, agrada-me tê-los feito quando já esqueço como os julguei ao final…