O horror da vida é a consciência dela. É o prever e acertar. É o sentir consoante o esperado. Ver tudo acontecendo, de olhos abertos. Constatar a previsibilidade das coisas, a futilidade infame do esforço, a mediocridade de quanto se pode alcançar. É o viver e não simplesmente ir vivendo, por uma impossibilidade irreversível. Perceber que a consciência, uma vez desperta, não mais torna a dormir. Ser incapaz da vista grossa que caracteriza as pessoas comuns, a saudável falta de percepção — em suma, a aceitação passiva da realidade.
O divertimento é a maior de nossas misérias
De Pascal:
A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e, no entanto, é a maior das nossas misérias. Com efeito, é isso que nos impede principalmente de pensar em nós. Sem isso, ficaríamos desgostosos e esse desgosto nos levaria a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento nos alegra e nos faz chegar insensivelmente à morte.
Idealizando o impossível
Viver num lugar quieto, próximo a um mar ou qualquer beleza gratuita e não agressiva, livre de preocupações financeiras — já fazemos literatura… — e obrigações não voluntárias. Comida, segurança e um teto. Isso já é muito. Já é idealizar o impossível. Tiremos o lugar quieto e o mar: puro luxo. Mas ter o resto é também uma impossibilidade. Quer a razão dizer que, deste resto, tire-se qualquer coisa e a paz torna-se inviável. Muito bem! Exatamente! Pois fique com comida e teto, — a custo de muito trabalho, — e esteja feliz!
Os homens das letras
O determinismo é repugnante. Em todas as suas inumeráveis manifestações, sempre se apresenta em aspecto medíocre e infame. Entretanto, há coisas que causam espanto. Por exemplo, os homens das letras. Vislumbrar toda a conjuntura que enfrentam, e ainda assim dedicam uma vida à construção de uma obra… Privações, renúncias, angústias, humilhações… E lá estão eles, superando obstáculos, com uma determinação injustificável, diante de um horizonte isento de qualquer compensação, trabalhando dia após dia. A explicação só reside numa espécie de dever, incompreensível para a maioria e que excede o senso racional. A motivação individual pode muito bem conduzir a insanidades, desde que se abstenha do uso da razão. Difícil não dizer destes homens estimulados por algo que lhes extrapola…