Não importa quanto se leia, uma lista de próximas leituras só cresce, sempre cresce, até tornar-se um monstro indomável e exigir, por humanamente inexequível, um novo planejamento, do zero, através de uma nova lista. Não há que fazer… É sempre a mesma coisa, e o processo é inevitável. Se, por um lado, é fundamental o planejamento dos estudos, por outro o seu cumprimento integral é inviável ou, melhor dizendo, inconveniente. Isso porque, no decorrer do processo, o interesse se expande para outras vias, e nada há de mais profícuo para a crescimento intelectual que seguir o curso do próprio interesse. As velhas próximas leituras, que fiquem para uma outra ocasião… Em resumo: listas de leitura são importantes diretrizes concebidas para serem descumpridas e descartadas. E é bom que seja assim.
A psicologia só se aproximará de uma definição razoável…
A psicologia só se aproximará de uma definição razoável do homem quando voltar-se integralmente àquele que nunca compareceu a um consultório. Busque um eremita, alguém que despreze o mundo, que cultue o silêncio, que se enxergue separado da carne, que seja indiferente ao prazer e à dor… busque esse homem e verá quão inúteis lhe são os manuais, quão inaplicáveis todas as teorias e quão desgraçadamente falham em lhe explicar o comportamento. Tomando conhecimento que este homem existe, desesperada, provavelmente a psicologia se sentiria forçada a inventar para ele o nome de alguma doença — mas talvez, quem sabe?, ela poderia dar luz a uma terapia verdadeiramente transformadora e universalmente aplicável.
“I will not die today”…
Novamente, de Tsongkhapa:
Although we all have the thought that at the end of our life will come our death, each day we think, “I will not die today” and “Today too I will not die.” In this way, right up to when we are about to die, our mind holds on to the idea that we are not going to die.
If you do not take to heart an antidote to this, if your mind is obscured by such an idea and you think that you will remain in this life, then you will keep thinking about ways of achieving happiness and eliminating suffering in this life only, thinking, “I need such and such…”
Desprovido da percepção da morte, viciado em julgar que nunca morrerá, o ser humano priva-se da própria essência, impede que floresça em si a noção do mais importante. Distrai-se em futilidades perecíveis, desperdiça o próprio tempo iludindo o espírito. Se por um instante compreende a verdadeira natureza da morte, já não poderá viver como antes, já não aceitará perder-se imerso em banalidades mundanas e exigirá, ainda que a custo da própria vida, uma razão que lhe justifique a realidade. Posto haja a morte, posto a morte aniquile o corpo, force uma separação terminante de posses e relações, que sobra? Há algo que sobra? Buscando respostas, o ser transforma-lhe a conduta e cancela a perigosa noção de “I will not die today”, passando à obsessão: “Se eu morrer hoje… e então?”.
Os textos orientais antigos e a psicologia moderna
Causa assombro confrontar os textos orientais antigos com a psicologia moderna, constatando o lapso de mais de vinte séculos e a noção difusa de que esta última revolucionou a compreensão do homem. A psicologia moderna — científica, materialista — limita-se a analisar uma dimensão reduzida do homem, e se lhe resumirmos as façanhas, diremos que foi ela responsável por criar e disseminar a ideia de um modelo humano inferior. Nos textos orientais, tão antigos, — e sabe-se lá de quando data a tradição, — a psicologia humana se apresenta numa complexidade que escapa à psicologia moderna: o homem é pintado com uma dimensão muito maior. Tudo isso por uma razão simplíssima: os textos orientais antigos foram escritos por sábios que tomavam seus mestres como modelo; a psicologia moderna é escrita por psicólogos e psiquiatras que tomam como modelo seus pacientes. Por isso constatamos, nos primeiros, um vocabulário repleto de técnicas de purificação e, nos últimos, repleto de doenças mentais.