No Brasil, o normal é que o cidadão médio passe a vida adulta inteira sem ler uma única obra de ficção. Isso não pode ser normal, senão numa sociedade culturalmente morta. Nenhum escritor brasileiro, é seguro dizer, exerce hoje a mais insignificante influência na sociedade, a despeito do que o nome de algumas ruas e monumentos pode sugerir. Não há uma única obra literária cujos personagens, ou cuja lição moral estejam presentes no imaginário coletivo, e portanto o fato mais assombroso deste Brasil de hoje é não haver nele nenhuma base cultural que sirva de alicerce e patrimônio comum. É uma tragédia não somente educacional, mas humana.
O falso escritor abre mão de sua individualidade
O falso escritor abre mão de sua individualidade para agradar, recebendo por isso o prêmio da aceitação social. Ele é falso, primeiro, por não afirmar-se; segundo, porque crê que a aceitação social seja um prêmio. Quão mais fáceis são as coisas para o verdadeiro escritor! Este vê no dilema uma maravilhosa situação de ganha-ganha: afirma-se desagradando, e recebe por isso o benefício da rejeição social.
É difícil dimensionar quão medíocre…
É difícil dimensionar quão medíocre tem de ser o homem para não apenas adequar-se, mas tomar como sua uma ideia concebida por meia dúzia de burocratas, que confronta diretamente aquilo que é verdadeiramente seu. Uma ideia, às vezes inédita na história humana, às vezes grosseiramente estúpida, inequivocamente disparatada e infamante, cuja aplicação envolve uma drástica e súbita mudança comportamental, cujo efeito prático é aviltar o passado e romper uma longa e honradíssima tradição, mas uma ideia que mesmo assim é engolida! Tal sucesso parece denotar que uma sociedade até pode ser destruída fisicamente por um agente externo, mas corromper-se, isso só se permite voluntariamente.
O mínimo que se espera de um escritor…
O mínimo que se espera de um escritor digno deste nome é considerar um insulto o mero conjeturar destes adeptos à engenharia social moderna, que se julgam no direito e com o poder de determinar como os outros devem se expressar. Porque é exatamente isto o que merece a polícia da linguagem: um absoluto e terminante desprezo, que deve ser estendido ao escritor que a ela se submete, que se humilha adequando-se aos ditames súbitos e delirantes de meia dúzia de palhaços que se acreditam poderosos o suficiente para submeter tradições literárias que remontam a séculos e por muitos outros se estenderão.