Dia e noite…

Em pensamentos, o movimento último e extremo não executado em vida. E as consequências, todas elas afligindo e pulsando tão logo a cabeça pouse e os olhos fechem. A necessidade de aniquilar, jamais se esquecendo de uma única palavra, levando a cabo todos os impulsos violentos controlados pelo racional manifestando-se, todas as noites, enquanto reina o silêncio no exterior. Em vida, em arte, o esforço por abrandá-los, o esforço por lhes mascarar o caráter monstruoso, o esforço pelo predomínio da consciência. E assim a mente submerge em dupla vida.

Não é possível destacar-se do meio

É verdade: não é possível destacar-se do meio, ser um fantasma, completamente alheio ao próprio tempo. O meio, queira-se ou não, é componente importante. Entretanto cabe um exercício diário e proveitoso que consiste no distanciamento ou, em outras palavras, no silêncio. Voltar os olhos para dentro e, na medida do possível, ignorar o ambiente. Escolher o isolamento, negar a participação ativa, aceitar e adaptar-se. Buscar, se possível, fechar os ouvidos, bloqueando a influência externa. E, assim, permitir que fique do meio tão somente a parte inextinguível ou, façamos uma concessão, a parte essencial.

Nacionalismo e estupidez

Poucas ideias parecem-me tão estúpidas quanto o nacionalismo. Não fecho a frase e a mente aponta-me a objeção: Dostoiévski, Hugo, Cervantes… Rejeito. O que esses e muitos outros “patriotas” fizeram extrapola as limitadas fronteiras de onde viveram: a arte que engendraram é expressão de valor universal. Seria acintoso resumi-los a “nacionalistas”. O nacionalismo é uma das muitas portas à estupidez, o patriota ordinário é um ignorante pretensioso que limita, sempre, o próprio intelecto, graças a esse sentimento desprezível que Cioran, repetidas vezes, chamou de péché contre l’esprit. Cioran: exemplo de coragem e liberdade de espírito; um homem sem pátria; alguém que tomou ciência, na prática, de que não dista um milímetro do orgulho nacional à mais abjeta idolatria.

Prazer que é despertar na expectativa…

Prazer que é despertar na expectativa,
Estimulado a cada nova aurora!
Abrir os olhos e dizer: “Agora
É fazer o que me enobrece e aviva!”

E já de pé, disposto e mente ativa,
A alma voltar àquilo que vigora,
Àquilo que da vida faz altiva,
O espírito enche e a prática aprimora!

O livre-arbítrio, dádiva bendita,
Permite converter o tempo forte
Em cúmplice! E o que, pelo afinco exita,

Provando-se maior que a própria sorte,
Fulgindo mais que a luz da própria estrela,
Acabará dizendo: a vida é bela!

(Este poema está disponível em Versos)