Mais injustificável que a obsessão com a originalidade é esse constrangimento decorrente da constatação de que o dito agora já havia sido dito há muito tempo. Que dizer? O autor que, registrando as próprias impressões, nota algo já notado anteriormente, em vez de se constranger por não ter sido o primeiro, ou não ter tomado conhecimento da fonte primária — muitas vezes irrastreável, — deveria satisfazer-se de ter chegado à mesma conclusão através da percepção direta, alegrando-se como se alegram aqueles que acham no outro algo em comum.
O autor que, por exemplo, diz algo já dito por um…
O autor que, por exemplo, diz algo já dito por um, e em seguida algo já dito por outro, por englobar em sua obra ambos os ditos, algo de novo já produziu: criando uma nova unidade, já se pode considerar original. É o mesmo que se passa com o estilo, quase sempre uma espécie de mescla, uma espécie de concatenação pessoal de diferentes traços aprendidos em fontes diferentes que, em conjunto, adquirem uma unidade inédita. Assim como não se cria do nada, aquilo que se cria só conscientemente dispensa a qualidade de criação.
Talvez não haja esforço que possibilite…
Talvez não haja esforço que possibilite a nós, modernos, uma real compreensão do homem medieval. Todo ele é-nos intrincado, mas parece o seu traço mais incompreensível ser aquele que Huizinga assim descreve:
No espírito medieval, todos os sentimentos mais puros e elevados foram absorvidos pela religião, enquanto os impulsos sensuais e naturais, deliberadamente rejeitados, tiveram de se rebaixar ao nível de uma mundanidade pecaminosa. Na consciência medieval coexistem, por assim dizer, duas concepções de vida: a concepção devota, ascética, que se apropria de todos os sentimentos morais, e a concepção mundana, toda ela deixada ao diabo, que se vinga terrivelmente. Se uma das duas predomina por completo, então surge o santo ou o pecador irrefreado; mas em geral elas se mantêm num equilíbrio instável, com oscilações da balança. Veem-se pessoas apaixonadas, cujos pecados em flor por vezes fazem sua devoção transbordar e explodir ainda mais violentamente.
É uma tensão muito mais forte, que embora extreme o vício, torna mais autêntica a virtude que se lhe contrapõe. É um comportamento tão apaixonado, e sobretudo tão sincero, que nos obriga a admitir que o homem moderno, comparado ao medieval, quiçá se destaque pela “moderação”, mas com certeza por um assombroso cinismo.
É sempre um grande desafio equilibrar…
É sempre um grande desafio equilibrar as tensões conflitantes quando uma tendência predominante se manifesta no espírito, quer compelindo à exteriorização, quer à interiorização. A personalidade frequentemente escancara esta dificuldade, cujo problema maior não é seguir ou afastar-se da tendência inata, mas lidar com a oposta, a qual frequentemente se apresenta como dever. Dever, então, agir contra a própria natureza, fazer de contínuo o mais penoso, sob ameaça constante de condenação pela consciência! Talvez seja esta a maior utilidade das biografias: registrar os rebentos deste conflito na vida daqueles para os quais viver se contrapõe a obrar.