O impressionante do hábito é acostumar…

O impressionante do hábito é acostumar a mente a tarefas difíceis, fazendo com que pareçam quase, quase fáceis; e, mesmo que não chegue a tanto, trivializa o fazê-las, algo por si só extraordinário. Psicologicamente, habituar-se a fazer algo é fazê-lo com menor esforço, como ligando um modo de execução automático. E só é possível notar o quão benéfico, o quão poderoso é o hábito ao rompê-lo e, em seguida, tentar fazer o que antes se fazia com naturalidade. Quase sempre, menor que o esforço necessário para retomá-lo é aquele necessário para desistir.

É o compromisso de não desistir…

É o compromisso de não desistir o início e o prenúncio da obra literária. Sem ele, o que se faz não chega a ser obra, mas marca apenas algo passageiro e, igualmente, descartável. É somente esse compromisso o que sustentará o esforço quando as circunstâncias o sabotarem, quando faltar a própria vontade de escrever. É ele que motiva o hábito, e é somente ele que restaura a normalidade quando o hábito, violado, transmuta um estado de inércia produtiva a um absoluto torpor.

Este Firmino, pintado por Ferreira de Castro…

Este Firmino, pintado por Ferreira de Castro em A selva, é mesmo um personagem digno de nota. Um personagem tão tipicamente brasileiro, mas tão raro nesta literatura centrada em tipos que quase nunca superam a mediocridade. É um tipo que, embora pobre, não é caracterizado, ou melhor, não comove pela pobreza ou pela privação material, mas por essa indefinível inocência, que aceita e encara a dura vida com inabalável boa disposição; é pela honestidade e simplicidade plenas, quase irreais; é, enfim, pelos valores morais que sobejam em meio à falta dos materiais. Firmino lembra um pouco os mujiques russos, cuja admiração já rendeu críticas a figuras como Tolstói e Dostoiévski. A verdade é que a bondade e a humildade que deles emana é mesmo admirável; e sua veracidade, no mínimo, tão real quanto romantizada.

É mesmo impressionante contrastar…

É mesmo impressionante contrastar a aparência inofensiva das letras com o seu poder maravilhoso de evocação. Em verdade, é inigualável a capacidade que elas têm em descrever precisa e detalhadamente, ensejando a mente a produzir imagens vivíssimas e sempre recordáveis. É pensar um pouco e rever a Petesburgo de Dostoiévski, sombria e coberta de neve, com tavernas abertas e cocheiros a passarem para lá e para cá; o sertão brasileiro, os subúrbios de Londres, Lisboa e o Alto Minho… tudo isso aparece com vivacidade impressionante, acompanhado da carga emocional proveniente do cenário evocado. Os numerosos personagens, suas escolhas e seus percalços, a atmosfera sempre particular que emana de cada obra… É, de fato, graças às letras, uma vida criada, mentalmente vivida e assimilada, cujas impressões se recordam para sempre. E tudo isso insuspeitável para aquele que não lê.